O Globo |
26/9/2007 |
Quando se vê escancarada no noticiário dos jornais a disputa por cargos entre os partidos da base aliada do governo, com a explicitação da troca de apoio como a feita candidamente pelo líder do PR, Luciano de Castro, e a reclamação de que o PT domina a máquina governamental, tem-se um retrato perfeito da maneira como esse governo de coalizão que reúne 11 partidos das mais diversas tendências está sendo administrado. Disse Luciano Castro, depois da votação em primeiro turno da CPMF na Câmara: "Mostrei todo o bem que já fiz e ainda posso fazer. Estou no purgatório, esperando uma vaga para ir para o céu. A bancada do governo assinou uma nota promissória, e agora espera receber". Essa realidade política está traduzida na pesquisa "Governo Lula, contornos sociais e políticos da elite no poder", realizada pela Centro de Pesquisa e Documentação (Cpedoc) da Fundação Getulio Vargas e coordenada pela cientista política Maria Celina D"Áraujo. A pesquisa, que abrangeu só a administração pública direta, tem números claros: 20% dos cargos mais altos do governo são ocupados por petistas, e 45% dos indicados são ligados à vida sindical. Desde os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) 5 e 6 até os de Natureza Especial (NES), são 1.269 posições com os maiores salários do governo federal, de um total de 19.797 cargos. Segundo os pesquisadores, a tendência é que, à medida que se desça na hierarquia governamental, aumente o número de petistas e sindicalizados. A cientista política Maria Celina D"Áraujo diz que "em termos do perfil geral está muito parecido com o que era antes". Mas se as pesquisas anteriores falavam mais de competência, com o governo Lula o critério partidário ficou mais acentuado. Embora não existam ainda dados para comparar com os de governos anteriores, comparando-se com a população brasileira "a tese que insiste num forte vínculo sindical, social e partidário está correta", conclui o estudo. Constatar isso não significa, ressalva o estudo, "falar em melhor ou pior qualidade do governo, mas é um indicador importante para sabermos como os governos se organizam e pensam estrategicamente o seu futuro". Cerca de 25% dos cargos mais altos da administração pública federal estão em mãos de funcionários filiados a partidos políticos, sendo que 20% são petistas de carteirinha. Desses, um percentual maior está entre os DAS-6 (39,6% de filiados), seguido pelos NES (22,2%), "ou seja, maior o escalão, maior o percentual filiado ao PT". Os demais ocupantes de cargos de DAS-5, DAS-6 e NES com filiação partidária fazem parte dos "partidos da base", com exceções mínimas de vinculados ao PSDB. Segundo o estudo, estas taxas de filiação partidária são bastante elevadas se comparadas às da população brasileira, que tem apenas 2,6% de filiados em partidos políticos. Uma característica da arregimentação de petistas para o serviço público federal é que a maior parte deles vem do serviço público estadual ou municipal, e dos não servidores, o que leva os pesquisadores a interpretar que "a convocação de filiados passaria mais pela lógica partidária do que pela experiência profissional". Em contraposição, a maior parte de filiados a outros partidos vem da esfera federal, o que seria, em princípio, segundo o estudo, um indicador de carreira e profissionalização. O maior número de filiados está na área de desenvolvimento e na Presidência da República. Saúde e Justiça aparecem como as áreas com menor concentração dos filiados. Mas é a área econômica a mais profissionalizada, "pois tem menos filiados a partidos e a sindicalizados e mais pessoas com experiência anterior em cargos similares". A taxa de sindicalizados é mais expressiva ainda: enquanto a média nacional de trabalhadores filiados a sindicatos é, segundo o IBGE, 14,5%, o estudo mostra que nesses principais cargos do governo é de 45%. O estudo revela ainda que 10,6% fizeram parte de centrais sindicais, e 35% participaram de conselhos profissionais, índices bem acima do padrão nacional. Segundo o estudo do Cpedoc,"se olharmos para os indicadores de associativismo, os resultados são também impressionantes para os padrões brasileiros. Um total de 46% declaram ter pertencido a algum movimento social, 31,8% declaram ter pertencido a conselhos gestores e 23,8 a experiências de gestão local. Apenas 5% pertenceram a associações patronais". O estudo identifica esse grupo como "altamente envolvido com sindicalismo, associativismo profissional e social, experiências de governo local e terceiro setor". Quando a pesquisa refina a busca para saber o nível de sindicalização e associativismo entre os filiados ao PT, "os números ficam ainda mais densos e a malha associativa torna-se realmente expressiva. Nota-se pelo agregado de informações que uma mesma pessoa pertence a várias tipos de associação. Chama atenção esta rede associativa e superposta em que se envolvem os filiados ao PT, que foge ao contorno dos padrões brasileiros", analisa o estudo. A alta qualificação educacional desses funcionários, "parece, contudo, indicar profissionalização. No entanto, qualificação não é incompatível com compromissos classistas, sindicais, partidários e ideológicos", analisa o estudo. Mas a alta participação em cargos de DAS e NES de pessoas envolvidas com o movimento sindical e social observada "pode ser uma evidência de que o primeiro governo Lula recrutou quadros em função de compromissos com esses movimentos. Pode ser evidência de clientelismo classista". O estudo é cauteloso ao analisar os resultados, e não assume nenhuma conclusão. |
Entrevista:O Estado inteligente
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