Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 01, 2007

Lula descarta terceiro mandato e antecipa 2010

"Vou fazer meu
coelhinho assado"

Lula reconhece que não é insubstituível, garante que não tentará disputar um terceiro mandato e dá a largada para as eleições presidenciais de 2010


Fábio Portela

Na cozinha: Lula diz que em 2011 quer
estar perto do fogão e longe do Planalto

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva combina estabilidade econômica com programas sociais bem avaliados e altos índices de popularidade. Por isso – e por não dispor de outros nomes com potencial de vitória numa eleição presidencial –, o PT sonha em convencer Lula a mudar a Constituição para disputar um terceiro mandato em 2010. Até agora, o principal obstáculo a esse projeto é o próprio presidente. Neste ano, ele já repetiu por três vezes que não embarcará em uma aventura. Rechaçou a idéia pela primeira vez em março, durante um café-da-manhã com jornalistas. "Não tem hipótese. É brincar com a democracia", declarou. Em maio, reafirmou o compromisso: "Não serei candidato em 2010". Na semana passada, foi categórico. "Não tem essa de o povo pedir. Meu mandato termina no dia 31 de dezembro de 2010. Agradeço ao povo brasileiro o carinho que teve comigo e passo a faixa para outro presidente da República em 1º de janeiro de 2011. E vou fazer meu coelhinho assado, que faz uns cinco anos que eu não faço", disse ao jornal O Estado de S. Paulo.

Na mesma entrevista, deu outra mostra de respeito à Constituição, ao comentar o projeto do presidente Hugo Chávez que acaba com os limites para a reeleição na Venezuela. Lula evitou condenar expressamente o colega, mas criticou os governantes que cedem à vontade de se perpetuar no poder. "Quando um dirigente político começa a pensar que é imprescindível, que é insubstituível, começa a nascer um ditadorzinho", afirmou. Não há na biografia política de Lula nada que avalize a tese de que ele está fazendo essas declarações apenas para despistar os adversários e, mais adiante, tentar um novo mandato. O recado de Lula de que não aceitará ser candidato em 2010 mostra para aliados e adversários que seu compromisso com a democracia não é negociável. Em sua maioria, a oposição não alimenta dúvidas sérias de que o presidente prefira, de fato, a receita do coelhinho assado à do chavismo. Mas não custa repetir isso, em especial para os aliados. Ainda mais porque, se quisesse, Lula teria respaldo popular para virar a mesa. Uma pesquisa encomendada em maio pelo PSDB à MCI mostra que 58% dos eleitores não recriminariam Lula se ele tentasse mudar a Constituição para poder se eleger de novo. Diz o cientista político Bolívar Lamounier: "É indispensável exorcizar da base governista a tentação de um terceiro mandato de Lula. A alternância de poder é a garantia de que o Brasil não vai transformar-se em uma Venezuela".

"O fato de Lula declarar, alto e bom som, que não planeja disputar um terceiro mandato é auspicioso. Sobretudo porque ele poderia tentar obter o apoio popular para isso", diz o cientista político Roberto Romano. Ao se colocar fora do páreo, Lula antecipou o debate sobre sua sucessão. Até agora, o PT não tem alternativas consistentes para a corrida presidencial de 2010. Seus principais nomes são os dos ministros Tarso Genro, da Justiça, e Dilma Rousseff, da Casa Civil, e o do governador da Bahia, Jaques Wagner. Nenhum deles tem grande aceitação dentro do partido. Como só se filiou ao PT em 2001, Dilma ainda é considerada uma cristã-nova na agremiação. É o pretexto mais utilizado pela turma comandada por José Dirceu, que é majoritária. Os aliados de Dirceu também vetam o nome de Tarso, porque o ministro tentou isolá-los quando ocupou a presidência do partido, há dois anos. Já a candidatura de Jaques Wagner dependeria de um êxito administrativo retumbante no governo da Bahia.

Sem candidatos fortes no PT, Lula joga com a hipótese de apoiar um candidato de outro partido da base aliada. Hoje, o nome que surge com mais força é o do deputado Ciro Gomes, do PSB. Como já disputou duas campanhas presidenciais, Ciro é conhecido dos eleitores, pontua bem nas pesquisas de intenção de voto e almeja ganhar o apoio de Lula. O projeto de Ciro pode ser encampado por outros partidos da base. O PCdoB acha que andou por tempo demais a reboque do PT e sinaliza que deve fazer parte de sua chapa. Ciro tenta convencer o PDT a seguir o mesmo caminho. Com Lula afastado da disputa, o PMDB também passou a sonhar em lançar um candidato próprio. Os favoritos são o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que Lula quis ter como seu vice-presidente na última eleição, e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Com o aval de Lula, o partido ainda tenta convencer o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, a deixar o PSDB para ser o candidato a presidente do PMDB.

Aécio rechaça essa hipótese, cada vez mais remota. O governador pretende disputar, sim, a Presidência. Mas pelo PSDB. Caso seja preterido na disputa interna com José Serra, governador de São Paulo, Aécio poderá compor a chapa como vice-presidente ou concorrer ao Senado. Independentemente de Lula, os tucanos tentam resolver a disputa entre os dois governadores estabelecendo critérios formais para a escolha do seu candidato. Até o momento, Aécio e Serra chegaram a um acordo em, pelo menos, um ponto: adiarão ao máximo a decisão de lançar seus nomes. Enquanto isso, tentam criar um clima de união, para não ameaçar o projeto de retomada do Planalto. Mas ambos os tucanos não conseguem esconder que ficaram com mais água na boca depois de ler a declaração de Lula sobre o tal "coelhinho assado".

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