Advogado diz que Renan Calheiros é sócio
de lobista que armou golpe contra fundo de
pensão e distribuiu dinheiro ao deputado
Diego Escosteguy
Felipe Barra |
Renan Calheiros e o lobista Luiz Garcia Coelho: intimidade e lucros divididos ao meio |
As relações entre o senador Renan Calheiros e lobistas com interesses no governo começaram a ser expostas quando VEJA revelou que um deles, Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, pagava despesas pessoais do senador. Na semana passada, VEJA teve acesso a um depoimento prestado à polícia pelo advogado Bruno Brito Lins. Através dele pode-se concluir que as ligações de Renan Calheiros com lobistas não se restringem a Gontijo e, mais uma vez, vão além da amizade desinteressada. Renan é sócio e parceiro de lobistas em negócios que envolvem pagamento e recebimento de propina. Bruno Lins foi casado com Flávia Garcia Coelho, funcionária do gabinete de Renan Calheiros e filha do lobista Luiz Garcia Coelho. As ligações entre eles são tão íntimas que Renan Calheiros foi padrinho do casal, a convite do lobista. Foi nesse ambiente que, durante anos, Bruno Lins testemunhou de perto a articulação de negócios escusos do grupo e, segundo conta, chegou a transportar pessoalmente malas de dinheiro que eram entregues a políticos e funcionários do governo. Nos principais trechos do depoimento, que está sendo investigado pela Polícia Federal, o advogado descreve a sociedade que existe entre o ex-sogro e Renan e fornece detalhes das operações clandestinas:
• O senador Renan Calheiros negociou com um grupo de aliados do PMDB uma maneira de beneficiar o banco BMG no serviço de concessão de crédito consignado para os aposentados da Previdência. Em troca, o banco pagou propina aos envolvidos.
• A propina, sempre em dinheiro vivo, era recolhida com diretores do BMG em Belo Horizonte e na agência do banco em Brasília. Em algumas ocasiões, Bruno transportou e entregou pessoalmente o dinheiro aos envolvidos.
• Entre os envolvidos na operação para beneficiar o banco estão o senador Romero Jucá e o deputado Carlos Bezerra, ambos do PMDB e aliados de Renan Calheiros. Ao deputado Bezerra, Bruno diz ter entregue 150.000 reais de propina.
• Renan Calheiros é sócio oculto do lobista Luiz Garcia Coelho. Juntos, além do caso BMG, os dois armaram um golpe milionário contra o fundo de pensão dos Correios, o Postalis. O lucro da operação seria repartido entre ambos.
Felipe Barra | ra |
Bruno Lins e Flávia Coelho: ameaças de morte e revelações sobre ligações financeiras entre Renan e o lobista |
O depoimento do advogado Bruno Lins foi tomado em 14 de setembro do ano passado, oito meses antes do escândalo que revelou as ligações de Renan Calheiros com o lobista da Mendes Júnior. Bruno procurou a polícia de Brasília para relatar ameaças de morte que vinha sofrendo e apontou o ex-sogro como responsável. Recém-separado, o advogado divergia da ex-mulher sobre a divisão dos bens e a guarda dos filhos. Como conhecia de perto as atividades do lobista Luiz Coelho, Bruno narrou parte do que sabia, segundo afirma, para se proteger. O depoimento do advogado foi registrado em três páginas. Nele, Bruno diz que o seu ex-sogro é "homem de confiança do senador Renan Calheiros" e descreve duas operações em que os dois agiram juntos. A primeira é uma tentativa de golpe contra o Postalis, o fundo de previdência dos Correios. Segundo o advogado, montou-se uma sociedade entre o lobista, o senador e os empresários Romero e Carlos Nikini para a construção de um resort em Trancoso, na Bahia. Para bancar o empreendimento, avaliado em 250 milhões de reais, o grupo entraria com metade do investimento e o Postalis com a outra metade. Mas era só no papel. Na verdade, o empreendimento seria superfaturado para 500 milhões de reais de modo que o fundo de pensão, ao pagar a metade, acabasse arcando com todo o custo da obra. Dessa forma, os empresários, Renan Calheiros e o lobista não desembolsariam um único tostão e acabariam donos de metade do resort. Os lucros, segundo o advogado, seriam repartidos entre o senador Renan Calheiros e o lobista Coelho.
O empresário, o lobista e o Postalis confirmaram a VEJA que, de fato, houve tratativas para viabilizar uma parceria na construção do resort na Bahia. Carlos Nikini disse que, há cerca de dois anos, fez um projeto para a construção de um resort. Ele confirma que encarregou seu amigo Luiz Coelho de "prospectar" o mercado atrás de investidores. O lobista, assim como Bruno descreveu no depoimento, procurou o dono do banco BVA, José Augusto dos Santos, conhecido no mercado pelas relações com o PMDB. O banqueiro, por sua vez, sondou Adilson Florêncio da Costa, diretor financeiro da Postalis, indicado pelo PMDB. A um amigo, Bruno Lins confidenciou ter presenciado reuniões na casa de Luiz Coelho, em Brasília, para discutir o negócio. Foi numa dessas reuniões que ele ouviu detalhes sobre o golpe do superfaturamento e a participação de cada um dos envolvidos, entre os quais o senador Renan Calheiros. O empresário, o lobista, a Postalis e o BVA negam qualquer irregularidade e informam que o negócio não foi para a frente em virtude do alto custo.
Agência BG Press |
O deputado Carlos Bezerra, ex-presidente do INSS: 150 000 entregues no hotel onde ele mora em Brasília |
Se a operação Postalis não passou de um plano de assalto fracassado, o caso envolvendo o banco BMG tem ingredientes mais explosivos. Há dois anos, o banco é investigado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas por envolvimento em operações suspeitas. Uma delas, ocorrida em 2004, deu ao BMG ganhos de 200 milhões de reais. Até hoje não se sabe exatamente como, mas o BMG, com a ajuda do Ministério da Previdência, conseguiu acesso privilegiado ao cadastro de aposentados do INSS. Isso permitiu ao banco construir uma carteira de empréstimos consignados de fazer inveja às grandes instituições financeiras do país. O advogado Bruno Lins conta que o sucesso do banco foi conseqüência de um bem articulado plano envolvendo diretores de instituições oficiais, como a Dataprev e o INSS, e políticos, como o senador Renan Calheiros e Romero Jucá. Bruno disse à polícia que os privilégios dados ao BMG eram recompensados com propinas, gerenciadas pelo lobista Luiz Coelho. No início de 2005, o advogado revelou que o lobista lhe pediu que fosse de carro a Belo Horizonte apanhar 300.000 reais com Márcio Alaor, vice-presidente do BMG. O dinheiro foi entregue pelo motorista de Alaor em notas de 50 e 100 e levado a Brasília, onde foi repartido. Bruno conta que entregou 150 000 reais ao hoje deputado Carlos Bezerra no hotel Metropolitan. Bezerra era, então, o presidente do INSS. José Roberto Leão, diretor da Dataprev, instituição responsável pelo processamento dos dados do INSS, recebeu 50 000 reais. O restante, 100 000, foi entregue ao lobista Luiz Coelho, o amigo e sócio de Renan Calheiros. Bruno Lins conta que pegou dinheiro no BMG em outras quatro ocasiões. Foram 3 milhões na agência do BMG em Brasília e 500 000 em Belo Horizonte. O dinheiro foi todo entregue ao lobista, que, segundo Bruno, o guardou em um cofre escondido dentro do armário do quarto de sua casa.
O BMG informou que o banco conhece o lobista Luiz Coelho, com quem seus diretores tiveram contatos efêmeros, e que não faz transações em espécie. O deputado Carlos Bezerra, que até hoje mora no hotel Metropolitan, disse que não conhece e nunca viu Bruno Lins e vai processá-lo. O lobista Luiz Coelho diz que as acusações são falsas e resume tudo a uma tentativa de extorsão por parte do ex-genro, que teria pedido 150 000 reais para não tornar públicas as denúncias contra ele. A filha Flávia Coelho, que é chefe do cerimonial de Renan Calheiros, acha que o ex-marido está tentando se vingar porque teve um pedido de pensão alimentícia recusado.
Renan e o lobista se conhecem desde o começo dos anos 90, quando o senador era líder do governo Collor na Câmara e Coelho, um dos operadores do esquema PC Farias. Coelho foi, então, denunciado pelo Ministério Público Federal por participação nos desvios de recursos da extinta LBA, que fornecia leite em pó a crianças carentes. O fim do esquema PC não abalou a relação entre os dois, que continuaram prosperando. Renan na política. Garcia nos negócios. "Coelho é há muito tempo o principal operador do Renan", disse Bruno Lins a amigos.
A proximidade entre Renan Calheiros e Luiz Coelho é notória em Brasília. A amizade entre ambos rendeu a Coelho uma cota de nomeações familiares no governo. Além da filha, ele tem um sobrinho e um irmão no governo, todos apadrinhados por Calheiros. Há, entre os Coelho, os que tentam ficar mais afastados do governo. É o caso de Armando Coelho, outro irmão do lobista. Em maio de 2004, ele foi preso na Operação Vampiro, que desvendou uma quadrilha que fraudava licitações no Ministério da Saúde e pagava propina a funcionários públicos. Armando era um dos chefes do esquema e foi denunciado pelo Ministério Público Federal. Na semana passada, os relatores do processo que investiga as ligações de Renan Calheiros com outro lobista, o da Mendes Júnior, decidiram pedir a cassação do senador por quebra de decoro parlamentar. Concluíram que Renan realmente usou os serviços do lobista, escondeu documentos, omitiu informações e mentiu ao Senado. O relatório, porém, não foi votado. O senador não quis se manifestar sobre as acusações feitas pelo advogado Bruno Lins. O depoimento do advogado Lins não pode, porém, ser tachado de mais uma peça da conspiração que Renan acredita existir para destituí-lo. O depoimento foi tomado oito meses antes de o escândalo Renangate estourar e o advogado tinha apenas o lobista Luiz Coelho como alvo. Acertou Renan Calheiros pelo fato de o lobista e o senador serem figuras indissociáveis.
O advogado Bruno Lins, ex-genro do lobista Luiz Garcia Coelho, disse em depoimento à polícia que o banco BMG foi privilegiado pela ação de um grupo ligado ao senador Renan Calheiros no serviço de concessão de crédito consignado a aposentados do INSS. Em troca, pagou propinas milionárias. Entre os beneficiados, pessoas e políticos ligados ao senador |
O deputado Carlos Bezerra, ex-presidente do INSS: 150 000 entregues no hotel onde ele mora em Brasília |