"O STF mandou alguns dos maiores aliados
de Lula para o banco dos réus. Lula negou
que isso possa ser interpretado como um juízo
contra seu governo. Pode sim. Por mais popular
que ele seja, Lula ficará marcado para sempre
como o presidente dos mensaleiros"
Adeus, Lula.
Eu já me despedi dele no passado. Formalmente. Solenemente. Quando? Numa coluna de março de 2005. Prometi que nunca mais tocaria em seu nome, argumentando que dedicara mais tempo a ele do que a Flaubert. Lula me emburrecia. Lula me empobrecia. Lula fazia brotar perebas em minha pele. Eu tinha de purgá-lo.
Deu tudo errado. Dois meses depois de me despedir de Lula, VEJA publicou a reportagem denunciando a propina nos Correios. Desde aquele dia, tenho falado sobre ele religiosamente todas as semanas. Foram dois anos de penitência, num estado de absoluta privação intelectual, isolado em meu rochedo ipanemense – o Diogo anacoreta –, assediado por Lula como Santo Antão pelo capeta. Numa semana, Lula aparecia diante de mim como a Rainha de Sabá. Em outra, ele assumia a forma de Amonaria. Em outra, de uma besta demoníaca, de uma cobra, de uma anta. Sim: estou fazendo um paralelo pernóstico com As Tentações de Santo Antão, de Flaubert. Há uma anta em Flaubert? Talvez eu esteja enganado.
Como hagiógrafo de mim mesmo, eu, o santificado Diogo, noto que o assunto de minhas colunas nunca foi propriamente Lula, e sim os instintos malignos que ele era capaz de despertar em cada um de nós. O conformismo. O analfabetismo. O parasitismo. A venalidade. A poltronice. A paralisia. Lula sempre representou para mim algo bem maior do que o Lula real. Com suas tolices, com suas idéias feitas – de novo Flaubert, hoje é dia de Flaubert –, ele era o símbolo de nossas características mais regressivas, de nosso atraso.
Na última semana, o STF mandou alguns dos maiores aliados de Lula diretamente para o banco dos réus. Lula negou que isso possa ser interpretado como um juízo contra seu governo. Pode sim. Por mais popular que ele seja, por mais votos que ele tenha tido, Lula ficará marcado para sempre como o presidente dos mensaleiros. É um estigma do qual ele jamais conseguirá se libertar. Menos pelo que fez José Dirceu, e mais pelo comportamento despudorado do próprio Lula. A camarilha petista se formou inicialmente para saldar as despesas da campanha presidencial. O primeiro receptador do dinheiro sujo do valerioduto foi Duda Mendonça. Assim que assumiu o poder, Lula pagou-lhe com contas publicitárias do governo. Escandalosamente, continua a pagar-lhe até hoje, no segundo mandato, mesmo depois do julgamento no STF, em que ele foi denunciado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Apesar de tudo o que aconteceu, Duda Mendonça ainda tem as contas de publicidade da Petrobras e do Ministério da Saúde, cujos contratos foram renovados repetidamente nestes quatro anos, sem licitação. Lula já repassou a Duda Mendonça cerca de 500 milhões de reais. Isso sem contar os 10,5 milhões de reais do valerioduto.
Um dia conheceremos toda a história de Lula. Mas o fato é que o espectro lulista, que assombrou o país por tanto tempo, finalmente desapareceu. O eremita Diogo tem de descer do rochedo.