Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 01, 2007

André Petry

A lógica do deboche

"O promotor assassino vai participar como
autoridade em julgamentos de assassinatos
na cidade onde morou o jovem que ele mesmo
assassinou! Isso é um tapa na cara do Brasil"

Em 30 de dezembro de 2004, o promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl, então com 26 anos, saía de uma festa com a namorada em Bertioga, no litoral paulista, e, diz ele, foi provocado por um grupo de rapazes. Disparou onze tiros. Matou Diego Modanez, 20 anos, e feriu com quatro tiros Felipe Siqueira Cunha de Souza, hoje com 23 anos.

Termina aqui, com esse relato breve e seco, a narrativa dos fatos. E começa a lógica do deboche.

Preso em flagrante, Thales Schoedl ficou 49 dias na cadeia e ganhou o direito de responder ao processo em liberdade. Tudo perfeitamente legal. Chegou a ser expulso pelo Ministério Público de São Paulo, que não queria um promotor assassino nos seus quadros, mas Thales Schoedl recorreu à Justiça e conseguiu o cargo de volta. Tudo perfeitamente legal. Foi expulso uma segunda vez e, de novo, conseguiu ser reintegrado. De novo, tudo perfeitamente legal.

Thales Schoedl obteve, agora, uma outra vitória. Como já tem tempo suficiente na função, pediu para ganhar estabilidade, como acontece com os promotores depois de dois anos de trabalho. E ganhou. Por 16 votos a 15, o Ministério Público de São Paulo concedeu a estabilidade ao promotor assassino. Afinal, o debate sobre a estabilidade é uma questão de natureza administrativa e, nesse terreno, não havia nada que depusesse contra Thales Schoedl. Como questões criminais não podem interferir em questões administrativas, os procuradores entenderam que Thales Schoedl tem todas as condições de trabalhar como promotor. Tudo, mais uma vez, perfeitamente legal. Legal e lógico.

A história não acaba aí. Ao dar estabilidade ao promotor assassino, o Ministério Público lhe restituiu o salário – 10 500 reais mensais – e a função de promotor de Justiça! De Justiça! Suas atribuições incluem fazer o tribunal do júri, onde se julgam crimes contra a vida! Sim, crimes contra a vida! O promotor assassino trabalhará com casos que envolvem assassinatos! O Ministério Público fez ainda mais: despachou o promotor para a cidade de Jales, no interior de São Paulo. Logo Jales! Jales é a cidade onde a família de Modanez, o jovem morto, morou durante um tempo! O promotor assassino participará como autoridade em julgamentos de assassinatos na cidade onde morou o jovem que ele mesmo assassinou! É a lógica do deboche.

Ninguém desconhece que um réu, mesmo confesso, não pode ser punido enquanto não for julgado culpado. Portanto, Thales Schoedl tem direito ao trabalho, ao salário, a morar em qualquer cidade brasileira, como qualquer inocente. Mas a ninguém escapa igualmente que se trata de uma decisão cega e burra, cruel e estúpida, ainda que tecnicamente perfeita. É esse formalismo estúpido, esse pombalismo podre que nos conduz a injustiças inomináveis.

A decisão não é um insulto apenas à família de Diego Modanez. É um insulto a toda a sociedade, ao sentimento de justiça e humanidade que todo o país precisa cultivar para manter-se minimamente agregado. Isso é um tapa na cara do Brasil. Diante de tamanha afronta, a conclusão de Sônia Modanez sobre o futuro do assassino de seu filho é de uma resignação apavorante:

– Ele não irá preso. Perdi a esperança quanto a isso. É rico, é influente, vai alegar legítima defesa e nada vai acontecer.

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