Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 15, 2007

Roberto Pompeu de Toledo

Senado para quê?

Eis uma boa hora para repensar uma
casa
que, além de inútil, pode ser malsã

Muitos países vivem sem Senado e não são menos felizes, ou mais infelizes, por causa disso. Israel é um bom exemplo. Portugal é outro. São países que adotam o chamado sistema "unicameral", o do Poder Legislativo sediado em uma única casa, a Câmara (ou Assembléia) dos Deputados. Há, na teoria, argumentos pró e contra o unicameralismo ou o bicameralismo. No Brasil, a velhos argumentos contra a existência do Senado, somou-se, na semana passada, um novo. Os velhos argumentos são:

• O Senado torna o Poder Legislativo repetitivo e lento. O processo de uma lei passar pela Câmara, depois ir para o Senado, depois voltar para a Câmara se houver modificação no Senado, e depois até talvez voltar para o Senado se houver modificação na Câmara, produz cansaço e exasperação. No meio do caminho, perde-se o interesse e arrisca-se comprometer a oportunidade da lei. Quando se tem em conta que, em cada casa, o projeto passa por diferentes comissões especializadas, o cansaço e a exasperação crescem. As comissões existem para peneirar as propostas, examinando-as sob diversos pontos de vista. Com isso, instala-se um processo de revisão que torna redundante o "poder revisor" que se atribui ao Senado.

• A existência de duas casas legislativas resulta em concorrência de uma contra a outra. Muitos são os exemplos de rivalidade nociva entre Câmara e Senado. Fiquemos em um, recente: a instalação das chamadas CPIs "do apagão aéreo". Como não houve acordo para criar uma comissão mista (as vaidades são muitas, e a tela da televisão é pequena), criaram-se duas, uma no Senado e outra na Câmara. Resultado: duplicação de depoimentos, conclusões discordantes, desperdício de energia e perda de credibilidade.

• A especificidade do Senado dilui-se no sistema brasileiro. A especificidade do Senado é representar os estados, enquanto a Câmara representa o povo. No Senado, os estados são representados por igual, à razão de três senadores cada um. Na Câmara, um estado será tão mais representado quanto maior for sua população. Isso na teoria. Ocorre que, pela legislação brasileira, há um número mínimo (oito) e um máximo (setenta) de deputados por estado. Isso faz com que a população de estados pequenos seja super-representada e a dos grandes sub-representada. Roraima, com 400.000 habitantes e oito deputados, tem um deputado para cada 50.000 habitantes, enquanto São Paulo, com 40 milhões de habitantes e setenta deputados, tem um para cada 570.000. A população de São Paulo vale, na Câmara dos Deputados, onze vezes menos do que a de Roraima. Tal sistema existe, segundo seus formuladores, para proteger os estados menores e tornar mais equitativa, na Câmara, a presença das diversas unidades federativas. Ora, não é o Senado a casa da representação equitativa dos estados? Se a Câmara usurpou esse papel, para que o Senado?

• O Senado é em larga parte biônico. "Biônico" era o apelido, na ditadura, do senador nomeado, invenção do regime para não perder o controle da casa. Eram senadores sem voto. Pois mais de vinte anos depois da redemocratização continuam a existir os senadores biônicos, agora na pessoa do "suplente", aquele de quem ninguém ouve falar na campanha eleitoral e, quando menos se espera, lá está, ocupando uma cadeira para a qual se votou em outro. Um caso recente é o do senador Euclydes Mello, do PTB de Alagoas. O eleito Fernando Collor saiu para dar uma volta e assumiu o primo suplente. Outro caso recente é o de Gim Argello (PTB-DF), que despontou para a vaga de Joaquim Roriz com um rico elenco de suspeitas sobre sua cabeça, mas que teve a posse assegurada pelo voto amigo do presidente Renan Calheiros. A presença dos biônicos deslegitimiza a casa.

• O Senado não cumpre deveres que lhe são específicos. Cabe-lhe com exclusividade aprovar as indicações de ministros do Supremo Tribunal, embaixadores e membros das agências reguladoras. É uma tarefa nobre e útil, que mais nobre e útil seria se fosse exercida com cuidado e competência. Não é o caso. Na aprovação da notória diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Senado comportou-se com a habitual leviandade, antes como carimbador das propostas do Executivo do que como poder verificador e equilibrador das decisões do outro.

A esses argumentos acrescentou-se, na semana passada, evidenciado em toda sua extensão, o mal do "clubismo". Por ser uma casa pequena, onde todos se conhecem bem, o Senado é ambiente propício às cumplicidades, à troca de favores e à venda de lealdades. Não foi outra a causa da absolvição de Renan Calheiros. O clube se fechou em torno dele (ou, pelo menos, a maioria do clube), num processo de escora mútua: eu protejo você hoje e você me protege amanhã, eu finjo que não vejo o que você fez e você finge que não vê o que eu faço, e vamos todos juntos, que o barco soçobra e se um cair ao mar corremos todos o risco de lhe fazer companhia. O clube é uma instituição malsã porque, em vez de ao estado e à nação, tende a servir a si mesmo, a suas trapaças e a suas malfeitorias.

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