O Estado de S. Paulo |
19/10/2006 |
Num dia qualquer desta semana, as reservas externas da China alcançarão (ou já alcançaram) a marca impressionante de US$ 1 trilhão. Como o número só é divulgado trimestralmente, apenas em janeiro virá a confirmação. A essas magnitudes, centenas de bilhões ou trilhão pouco parecem se diferenciar. Talvez seja mais fácil entender se a medida usada for o Produto Interno Bruto (PIB). Como, ao câmbio de hoje, o PIB do Brasil também vale cerca de US$ 1 trilhão, fica esclarecido que o volume de reservas chinesas equivale a um ano de renda de todos os brasileiros. Mais surpreendente do que o volume colossal dessas reservas é o fato de que elas subiram de US$ 168 bilhões para o nível atual em apenas 6 anos (veja gráfico). A coluna de hoje centra sua atenção sobre o impacto monetário das reservas. A de amanhã, irá deter-se sobre a altura a que pode erguer-se a montanha. Como os chineses aplicam essas reservas é segredo de polichinelo. Acredita-se que 70% dos ativos estejam em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que rendem juros acima de 4% ao ano. Ou seja, a China é grande emprestador de dólares para os Estados Unidos e, assim, cobre o déficit orçamentário americano. Além disso, os Estados Unidos têm um déficit comercial (exportações mais baixas do que importações) de US$ 840 bilhões anuais. Ao comprar títulos do Tesouro americano, a China devolve os dólares faturados com exportações. Com isso, ajuda a financiar o rombo comercial americano, evita a desvalorização do dólar nos mercados e mantém o valor das reservas chinesas. Tudo se passa como se a dupla tivesse um acerto simbiótico em que os Estados Unidos entrassem com o mercado consumidor e seus títulos de dívida; e a China, com mercadorias baratas e a cobertura dos rombos americanos. É tão grande o volume de títulos americanos em mãos chinesas que muitos analistas temem um possível poder de chantagem: lá pelas tantas, os chineses despejariam títulos americanos no mercado internacional, essa papelada se tornaria micos saltitantes, haveria rejeição de ativos americanos, o dólar se desvalorizaria, a economia americana mergulharia na inflação, o Fed (o banco central americano) teria de puxar pelos juros, o setor produtivo dos Estados Unidos e do mundo entraria na recessão... Enfim, seria um mundão dos piores. Se pusessem em marcha um processo desses, os chineses estariam cometendo suicídio econômico. Não só desmantelariam o arranjo que garante a atual prosperidade, como quebrariam sua capacidade de exportar. Boa pergunta é saber por que reservas de US$ 1 trilhão não produzem inflação. Mais fácil entender a razão da pergunta do que a resposta. A cada compra de dólar dos exportadores, o Banco Popular da China (banco central) despeja 7,91 yuans (moeda local) no mercado. Por isso, quando faz reservas, qualquer banco central tem de acionar um mecanismo de esterilização da emissão de moeda para evitar que a dinheirama produza inflação. Em geral, isso se faz com o lançamento de títulos públicos: o dinheiro emitido retorna ao banco central como fruto da venda dos títulos. Mas a dívida pública líquida da China não passa de 20% do PIB. (Só para comparar, a do Brasil alcança 51% do PIB.) A inflação chinesa, fortemente reprimida pelo controle estatal de preços, restringe-se a 1,3% ao ano e os juros básicos são de 3% ao ano. A explicação para essa aparente anomalia é a de que o governo chinês usa as emissões destinadas à compra de dólares para sanear o sistema bancário que há anos enfrenta créditos podres (non performing loans) avaliados em US$ 700 bilhões. Funciona assim: o banco central compra dólares dos exportadores, emite títulos da dívida pública e os troca pelos créditos podres em poder dos bancos estatais. Como é uma dívida boa, os bancos vão sendo recapitalizados. Em troca, não podem renegociar esses títulos no mercado. Logo esses bancos, já saneados, serão privatizados (governo de esquerda não tem medo de privatização) e o banco central será ressarcido. Essa operação segura-inflação não se restringe à esterilização monetária. O banco central chinês vem, também, aumentando o depósito compulsório dos bancos. (Amanhã tem mais.) |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, outubro 19, 2006
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