O Estado de S. Paulo |
31/10/2006 |
Reeleição numérica e politicamente bonita, tempo de homenagens ao vencedor, usemos, pois, uma expressão cara ao presidente Luiz Inácio da Silva para ajudar na análise de sua primeira manifestação após a vitória: o dado concreto é que das palavras presidenciais não se extrai nada de objetivo sobre como será seu governo daqui em diante. O discurso não deixou pistas sobre como realmente será o segundo mandato de Lula, a não ser que o presidente pretende fazer um governo melhor, com mais emprego, mais renda, mais justiça e que os pobres vão ter a preferência de sempre. Mas, como o presidente prometeu falar muito nesse segundo período, e não só sob a forma de monólogo, dará muitas entrevistas, teremos muitas chances de esclarecer o que permaneceu obscuro nos variados pontos abordados por ele na noite de domingo, quando abriu espaço para perguntas e inaugurou o novo estilo. Poderemos saber, por exemplo, sobre quais propostas e de que maneira patrocinará a reforma política, "logo no início do mandato". Por enquanto, desconhecemos o que Lula, o governo e até mesmo a oposição entendem por reforma política. Algo que vá além das duas palavras às quais todos os políticos atribuem efeitos mágicos, mas tema a respeito do qual não se detêm com disposição firme de alterar a relação representantes-representados, de forma a privilegiar os últimos mesmo em detrimento da segurança eleitoral dos primeiros. A condição primeira para o presidente conseguir dar prosseguimento a qualquer plano que depende da lei, caso da reforma política - depois, evidentemente, de definir em detalhes as mudanças pretendidas -, é a organização da base partidária no Congresso e, quanto a esta tarefa, o presidente disse que pretende ele mesmo cuidar disso. Terá um articulador, informou, mas Lula em pessoa tratará de conversar com todos os partidos "até dezembro". E nesse ponto apresentou-se de novo uma ambigüidade. Lançou a proposta do diálogo, mas o fez não em tom conciliador. Da maneira como falou, pareceu ameaçar. "Vou chamar todo mundo para conversar e quem não quiser conversar, vai ter de se explicar." Outra vez para falarmos ao gosto do presidente, ou seja: na forma, a mão estendida, no conteúdo, a faca no peito. A menos que Lula venha a explicar sua intenção, de sua frase depreende-se a idéia da obrigatoriedade, sem concessão ao convidado da prerrogativa de recusar. Por exemplo, se a moldura e a pauta da conversa não lhe forem convenientes. Do jeito como foi posto parece o seguinte: chamada ao palácio, a oposição deve necessariamente aceitar, sob pena de receber o carimbo de intransigente, intolerante e de agir de costas para o interesse do País. E se os termos da conversa não interessarem? Se sentir que está sendo convidada a coadjuvar uma peça publicitária para o governo, a oposição deve ir ou deve examinar as conveniências e, dependendo, recusar? Afinal de contas, estando o País em vigência plena da democracia, é admissível, senão desejável, que a oposição se oponha e não necessariamente adira aos planos governamentais. Cabe aos oposicionistas observar a civilidade das relações - e, neste aspecto, convite de presidente, em princípio, é para ser aceito. Mas ao governo cumpre também observar limites. O mais nítido deles é que 58 milhões de votos não lhe dão a veleidade de requerer unanimidade nem a força política decorrente lhe confere o direito de menosprezar a parcela da população representada nos votos dados ao oponente de Lula, muito menos de pôr as coisas como foram postas pelo presidente: ou conversa ou "se explica". Inclusive porque, em matéria de explicações os vencedores devem-nas a mancheias. Outro ponto obscuro do pronunciamento do presidente recém-reeleito ficou ainda mais obscurecido com as declarações de ministros a respeito da política econômica. Lula afirmou que a política fiscal continuará "dura", não obstante uma dureza leve o bastante para não causar "sofrimento no povo". Depois disso, o ministro Tarso Genro decretou o fim da "era Palocci", naturalmente referindo-se à política econômica e não ao uso de instrumentos de Estado para constranger cidadãos ao ponto de quebrar-lhes o sigilo bancário. Genro apontou conservadorismo e neurose na obstinação do ex-ministro da Fazenda com a manutenção das metas de inflação. Disse que agora a política é de crescimento, posição reforçada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que pregou "política desenvolvimentista". A ministra Dilma Rousseff, ao que se sabe a figura forte do próximo período, vai na mesma toada mas, contrariando Genro, assegura a manutenção das metas de inflação e o próprio presidente diz que manterá o superávit primário nos índices atuais. Falam em mudanças, mas não dizem para onde. Como se o "crescimento" fosse a política e não a conseqüência de uma série de decisões, medidas e atitudes que continuam rigorosamente desconhecidas. Na ambigüidade, prevalece a especulação, o que é péssimo para o País. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, outubro 31, 2006
Dora Kramer - O dado concreto
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