O Globo |
31/10/2006 |
Ao contrário do que parecia à primeira vista ter sido uma "derrota moral", a realização do segundo turno na eleição presidencial foi uma dádiva dos céus para legitimar a reeleição do presidente Lula, que, se ganhasse no primeiro turno por uma margem tão reduzida, teria que arcar com o peso de ter dividido o país, quando essa divisão, na verdade, nunca existiu. A maioria dos eleitores de Cristovam Buarque e Heloísa Helena, e os cerca de dois milhões que migraram de Alckmin para Lula no segundo turno, sempre foram votos de Lula, apenas representavam eleitores incomodados com os deslizes éticos do PT ou com a arrogância do candidato Lula, mas nunca eleitores convictos de Alckmin ou mesmo do PSDB. Bastou uma ligeira confrontação ideológica sobre as privatizações, forjada mais em insinuações e indícios do que em fatos, para que esses eleitores tivessem o pretexto de se juntar novamente a Lula, na esperança de que um segundo mandato possa ser o governo que sempre sonharam, mais à esquerda. A tática de jogar o PSDB para a direita do espectro político, que é utilizada pelo PT há muito tempo, deu resultado para atrair novamente os 30% de eleitores petistas tradicionais, entre a esquerda e a classe média tida como progressista. O resto dos votos veio na esteira dos programas sociais assistencialistas nas regiões pobres do país, especialmente no Norte e Nordeste. Não importa se Lula também privatizou bancos e linhas de transmissão, nem mesmo se o projeto de lei que concede à iniciativa privada a exploração da Amazônia é ou não uma privatização, ou se é ou não uma decisão acertada do governo. Nem é possível, nesse contexto radicalizado em que se desenrolou o segundo turno, desmentir que os tucanos acabariam com a Bolsa Família, ou que Alckmin faz parte do grupo conservador da Igreja Católica Opus Dei. O que importa é que, na percepção do eleitor médio, Lula não parece ser privatista, e Alckmin parece ser da Opus Dei. Reeleito com uma votação consagradora, o presidente Lula emite sinais desencontrados sobre o que será seu segundo mandato, dando margem a que figuras importantes do seu governo como os ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil, e Tarso Genro, das Relações Institucionais anunciem "o fim da era Palocci", como se o sucesso da política econômica que turbinou os efeitos dos programas sociais e do aumento real do salário mínimo não tenha sido conseqüência dessa política, sobretudo da posição ortodoxa do Banco Central. Se a inflação não estivesse tão baixa, e o dólar tão valorizado, a comida não estaria tão barata e o poder de compra dos mais pobres não teria crescido tanto. Como em outras ocasiões, o presidente tergiversa sobre questões básicas: uma hora diz que terá uma política fiscal dura, para depois dizer que ela não pode prejudicar os mais pobres. Quando se compromete, ainda sob o forte impacto emocional da vitória, a continuar dando aumentos reais ao salário mínimo, o presidente Lula está prometendo o que provavelmente não poderá cumprir. Quando insiste em colocar ricos contra pobres, e dizer que sua vitória foi a do pessoal "do andar de baixo" contra o "andar de cima", usando a metáfora de Elio Gaspari, o presidente está apostando em uma divisão que parecia incomodá-lo no primeiro turno. É preocupante a revelação de que havia preparado uma propaganda para exacerbar essa disputa de classes, caso a campanha se mostrasse mais dura do que acabou sendo. O filmete com a comparação com Getúlio, JK e Jango, três ex-presidentes que teriam sido perseguidos pelas elites como ele, Lula, por terem se dedicado aos pobres, seria a dramatização da disputa para colocar de vez o eleitorado pobre, especialmente do Norte e Nordeste, contra o Sul do país, onde Alckmin acabou mantendo a vitória do primeiro turno. Essa estratégia de marketing, que acabou não sendo usada, era chamada na intimidade da campanha de "venezuelização" da disputa, o que nos leva de imediato às tergiversações do candidato reeleito. Durante a campanha, ele se recusou a assinar um compromisso de que não convocaria uma Assembléia Constituinte para fazer as reformas, o que indica que ainda não abandonou a idéia. Tanto na Venezuela quanto na Bolívia o recurso à Constituinte foi o caminho para os governos "revolucionários" controlarem os demais poderes do estado, dentro de uma aparência de legalidade. Comparar-se com Getúlio é uma tática que vem utilizando há algum tempo, no estilo camaleônico que o caracteriza. O Lula da primeira fase de líder sindicalista defendia o fim da Era Vargas, dizia que a CLT é o "AI-5 dos trabalhadores" e ironizava Getúlio Vargas como sendo o "pai dos pobres e mãe dos ricos". Lula também procurou separar o petismo do populismo varguista. Hoje, a CLT e a representação sindical, marcos da Era Vargas, persistem, embora Lula volta e meia anuncie que pretende flexibilizar as leis trabalhistas, para baratear o custo do emprego. Mas o sindicato atrelado ao Estado continua com Lula. O Lula reeleito com "a força do povo" e das políticas assistencialistas, como já previra o historiador José Murilo de Carvalho, reassume a famosa interpelação getulista: "Hoje vocês estão no poder na minha pessoa, amanhã vocês serão o poder". Entre Getúlio e Chávez, entre o populismo e o desenvolvimentismo, haverá lugar nesse segundo mandato para uma política fiscal equilibrada, e as reformas estruturais necessárias a um desenvolvimento sólido e continuado? Ou paciência para esperar o crescimento? Nunca é demais lembrar que Delfim Netto, hoje o principal consultor econômico de Lula, é crítico da ortodoxia do Banco Central e adepto do crescimento rápido. Quem poderá ser contra? |
Entrevista:O Estado inteligente
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