UM DITADO ANTIGO diz que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. O mesmo se pode dizer das campanhas eleitorais.
A cada eleição a sociedade aprende, torna-se mais atenta e menos vulnerável à mera demagogia. No plebiscito de 2005 sobre armas, por exemplo, todos saímos do processo mais esclarecidos do que antes.
Ocorre que as campanhas também evoluem. Não é que os truques para engambelar o eleitorado desapareçam; eles apenas se tornam mais sutis, menos ostensivos. Gostemos ou não, amadurecimento político é isso: sofisticação da hipocrisia eleitoral para ganhar um eleitor escaldado por enganos anteriores.
Paulo Francis costumava dizer que só um político, Hitler, cumpriu exatamente o que prometeu. Políticos "normais", para conseguir se eleger, são obrigados a disfarçar o que pensam, fazer concessões, tentar agradar a gregos e troianos. Assim se formam as maiorias.
Veja o caso do Bolsa Família. O programa tem um valor humanitário inquestionável. Mas do ponto de vista político, o presidente que o extinguir cairá no dia seguinte. Seu interesse será aumentar o programa, que se revelou um instrumento seguro para vencer qualquer eleição.
Em algum momento no futuro remoto, talvez, surgirá no debate político a necessidade de fazer uma "reforma" no Bolsa Família. Então, como hoje, "reforma" será um eufemismo para cortar gastos e reduzir rombos crescentes no Orçamento. Mas nos próximos anos o programa só fará crescer, qualquer que seja o presidente.
Corte de gastos, aliás, é o que terá de ser feito já no próximo governo. Lula e Alckmin sabem disso muito bem. O primeiro, no entanto, nega que vá cortar, ao passo que o segundo contorna o tema espinhoso dizendo que a redução de gastos virá tão somente de uma melhora na gestão dos recursos públicos.
O que parece mais grave no escândalo chamado de dossiegate não é o fato em si. O grave é a desfaçatez que o submundo petista exibiu numa operação tão obviamente arriscada. As razões desse modo de agir são evidentes.
O governo sobreviveu ao escândalo do mensalão, que veio à luz em meados do ano passado. Se Lula tivesse colocado um ponto final nas práticas ilícitas destinadas a favorecê-lo e à sua turma, não teria havido dossiegate.
O próprio evento do dossiegate mostra que, internamente, tudo foi considerado um acidente de trabalho. O recado não foi "parem com isso", mas foi "vamos em frente". Não fosse assim, não teria havido dossiegate.
Estabilidade de preços, transferências de renda, o governo Lula pode ter todos os méritos que lhe são atribuídos. Mas a opinião pública não poderá alegar ignorância quando ficar patente que estamos reelegendo um governo corrupto que fez de práticas mafiosas seu modo de manter-se no poder.