No segundo turno das eleições, Lula retomou o velho discurso estatizante do PT e acentuou a visão benigna de si mesmo. Num ato de fé, disse que preparou o País para crescer 7% ao ano. Infelizmente, a fé remove montanhas apenas na Bíblia.
Se reeleito hoje, como parece, Lula terá quatro anos para provar a sua tese. Dificilmente conseguirá. Seu mérito foi preservar a estabilidade. Mudou o discurso e resistiu aos apelos por uma guinada na política econômica. Foi muito, mas não o suficiente para fazer o Brasil crescer mais.
Por manter e reforçar as linhas básicas da política econômica, Lula fez por merecer os benefícios eleitorais e do crescimento do PIB, da renda e do emprego (ainda que em níveis modestos), da baixa inflação e do espaço para ampliar o Bolsa-Família.
Lula parece ter aprendido o nexo entre estabilidade e política monetária. Nisso, se diferencia da maioria de seus companheiros do PT (que ainda sonham com outra política econômica) e de políticos latino-americanos que levaram seus países ao caos inflacionário e à bancarrota.
Sucede que uma coisa é manter uma política econômica responsável e contar com um ambiente externo favorável. Impressiona ver que além de colher frutos de árvores plantadas por outros presidentes Lula convenceu a maioria de que foi ele quem as plantou. Outra coisa, entretanto, é remover os obstáculos ao crescimento, ou seja, plantar verdadeiramente novas árvores.
O crescimento sustentado exige criar o ambiente para o investimento e para os ganhos permanentes de produtividade. Estes dependem de avanços na educação, na ciência e na tecnologia, de incentivos à inovação e de melhorias na infra-estrutura econômica.
As causas da perda de dinamismo da economia a partir dos anos 1980 residem na exaustão do nacional-desenvolvimentismo e nas principais mazelas de seu legado: a crise fiscal, o processo hiperinflacionário, o aprofundamento da cultura estatizante e as desigualdades sociais. Tudo isso se agravou com a Constituição de 1988.
A elevada e caótica carga tributária, a rigidez orçamentária, a elevação explosiva dos gastos previdenciários e a anacrônica legislação trabalhista constituem os resultados mais evidentes desse desastre. Não há chances de crescer muito sem resolver tais problemas, incluindo os excessivos custos de transação deles decorrentes.
Na verdade, o governo Lula piorou esse quadro, mediante aumentos irresponsáveis do salário mínimo e ampliação de outros gastos correntes. Dada a necessidade de cumprimento de metas de superávit primário, a carga tributária se elevou e o investimento público caiu (daí a melancólica operação tapa-buraco das estradas federais).
Oportunidades foram desperdiçadas com o terceiro-mundismo estéril e o antiamericanismo pueril de sua política externa. O apoio ao ingresso da Venezuela no Mercosul pode nos custar caro. Na educação, prevaleceu uma prioridade equivocada ao ensino superior gratuito. Visões atrasadas na reforma agrária e tolerância com as ações do MST prejudicaram o agronegócio. Radicalismo ecológico e mudança na regulação inibiram investimentos privados em energia. Na área trabalhista, tudo ficou na mesma.
Por razões ideológicas, o governo Lula interrompeu as privatizações e o processo de modernização do Estado. Suspendeu a concessão de rodovias. Reduziu a segurança nos investimentos de longo prazo de maturação. Embora seja difícil medir o efeito do aparelhamento de agências reguladoras e das ameaças à sua autonomia operacional (como no caso flagrante da Anatel), tudo indica que pagaremos um preço elevado por tudo isso.
Lula ainda tem chance de legar efetivamente aos seus sucessores um País com potencial de crescimento superior aos níveis medíocres da atualidade. Para isso, precisa abandonar definitivamente o equivocado discurso petista, demonstrar capacidade de formular uma estratégia competente para aprovar difíceis reformas no Congresso, lançar as bases de um ajuste fiscal crível de longo prazo e sinalizar uma correspondente redução na carga tributária.
É pouco provável que consiga realizar essa façanha utilizando o discurso autocongratulatório, a fé nas suas próprias palavras e as idéias de seu atual ministro da Fazenda, que fala em um insondável superávit primário “desenvolvimentista”.