Os estudos do grupo do professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro, em cima do resultado das eleições presidenciais dos últimos anos, mostram com clareza a mudança ocorrida no que ele denomina de “geografia eleitoral” dos principais grupos políticos em disputa e, sobretudo, refletem a mutação da votação do candidato Lula, que chega às urnas amanhã com a previsão de uma reeleição tão expressiva, em termos populares, quanto vulnerável, em termos políticos. Assim como em 2002, quando não conseguiu vencer no primeiro turno, Lula conseguiu agora no segundo turno reagrupar em torno de si uma votação majoritária que, a serem confirmadas as pesquisas, pode ter a mesma ordem de grandeza, mas terá outra distribuição geográfica.
Também seu governo dependerá muito menos do PT do que da coalizão com o PMDB, que terá o maior número de governadores, e provavelmente a maioria nas duas casas do Legislativo. A primeira mudança na geografia do voto de Lula aparece em 1994. O mapa de votação de Lula naquela eleição é muito parecido com o do segundo turno de 1989, ou seja, ele começa a engolir o brizolismo, a atrair o eleitor do Brizola.
Tanto que o Sul já dá uma votação expressiva a Lula, e o Rio também.
E o mapa da votação de Brizola em 1994 mostra um tombo em relação à eleição anterior, ficando restrita apenas a Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os dois disputam espaço no campo da esquerda e, enquanto Lula cresce, Brizola cai. Brizola teve 16% em 1989 e apenas 3% em 1994, atrás de Enéas. Em 1998, ele acaba virando vice do Lula, torna-se seu coadjuvante.
Já em 1998, o mapa eleitoral de Lula não é diferente do de 1994, apenas um pouco mais forte no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, porque agora Brizola é seu vice. Lula teve 17% da votação em 1989, 27% em 1994 e 32% em 1998.
Mas aqui é a mudança no campo da esquerda, um “crescimento endógeno” na definição de Romero Jacob: se somar os 17% de Lula com os 16% de Brizola em 1989, dá 33%; em 1994, os 27% do Lula com os 3% do Brizola dá 30%; e Brizola e Lula juntos em 1998 somam 32%. Quando Lula chega a esse ponto, se afirmando como o principal líder de esquerda, para chegar à Presidência ele tem que fazer um movimento para o centro.
Em 2002, os mapas de Romero Jacob já mostram que a capilaridade da candidatura de Lula cresce para o interior do país. Nesse ponto, a geografia vai mudar de novo. A diferença entre 2002 e 1998 pode ser resumida no enorme crescimento de Lula, de até 39 pontos, em Tocantins, por exemplo. Ele cai no Rio de Janeiro, onde Garotinho é candidato, e no Sul, onde Brizola apóia Ciro Gomes. Mas há um crescimento de Lula no interior do país, graças às alianças com as oligarquias políticas que estavam descontentes com a escolha de José Serra como candidato do PSDB.
Romero Jacob resume o que foi a guinada ao centro da candidatura Lula: vai da Carta ao Povo Brasileiro, garantindo que não vai mudar a economia, até a mudança da aparência, “deixando de ter a imagem de um líder sindicalista radical para se transformar em socialista moderno, tipo europeu”.
O modelo classe média idealizado pelo Duda Mendonça incluiu até a presença de dona Marisa ao lado de Lula, o que não existia nas campanhas anteriores, ressalta Romero Jacob. E as alianças necessárias com oligarquias, locais e regionais, aproveitando as crises internas do PSDB.
Já o mapa eleitoral de Fernando Henrique em 1994 não tem nada a ver com o de Mario Covas em 1989, que teve apenas 11% dos votos. A diferença é a aliança com o PFL, que foi tão criticada na época, mas, segundo Romero Jacob, deu capilaridade ao PSDB, um partido novo que havia surgido em 1988 e tinha mesmo força só em São Paulo.
O mapa é muito parecido também com o de Collor no segundo turno, com uma diferença: Fernando Henrique, por ser uma pessoa com bom trânsito no eleitorado da classe média urbana, vai ter percentuais mais altos nos grandes centros. Ele juntou um partido urbano, o PSDB, com um partido rural, o PFL, e deu essa geografia.
Em 1998, o mapa eleitoral de Fernando Henrique não tem diferenças fundamentais do de 1994, encolhe um pouco no Ceará por conta da briga latente que já existia.
Tasso Jereissati queria ser candidato e, em retaliação, lança Ciro Gomes, que esvazia Fernando Henrique no estado. E também em Minas, onde havia a briga com Itamar Franco. Em compensação, Fernando Henrique cresce em São Paulo graças a uma aliança pragmática com Paulo Maluf.
Romero Jacob lembra que qualquer crescimento em São Paulo é significativo, pois o estado tem aproximadamente um quarto do eleitorado, e quem não tem voto lá é “peru de Natal”. Esse era o problema de Brizola, que não tinha voto em São Paulo nem em Minas Gerais, que tem 12% do eleitorado.
Os dois estados somam um terço do eleitorado.
O mapa de José Serra em 2002 mostra que sua votação em relação à de Fernando Henrique cai em todas as microrregiões do país, com exceção de um lugar da serra gaúcha chamado Não Me Toques, sem que haja explicação plausível para essa anomalia.
Na avaliação de Romero Jacob, ele caiu não por ser um mau candidato, mas porque houve problemas com as oligarquias: com Antonio Carlos Magalhães, numa relação de amor e ódio com Fernando Henrique durante quase todo o governo; e, depois, o caso Lunus, que criou outra encrenca política com a oligarquia Sarney, inviabilizando a candidatura de Roseana à Presidência.
Com as novas alianças, Lula chega, no segundo turno de 2002, a 61,5% dos votos, mas regionalmente espalhados de maneira diferente da atual campanha.
Teve, por exemplo, 89% em algumas regiões de Santa Catarina, onde perdeu nesta eleição. (Continua amanhã)