Contados os votos e proclamado o vencedor, os analistas serão convocados para explicar por que o candidato Geraldo Alckmin perdeu tantos eleitores em menos de um mês. (Teve 41,6% dos votos no primeiro turno e, a acreditar-se nas pesquisas, hoje não terá mais do que 38%.)
Esses comentaristas juntarão um punhado de razões. Dirão que a campanha eleitoral do presidente Lula teve mais apelo emocional do que a do adversário; que Alckmin se perdeu no meio do tiroteio contra a privatização; que sua agressividade no primeiro debate chocou os eleitores, que preferem suflê de chuchu; que Lula se mostrou mais à vontade diante das câmeras de TV; que o presidente Lula usou a máquina de governo para convencer o eleitor; que os tucanos não pararam de se bicar ou, então, que se envergonharam de apoiar um candidato que consideram fraco. Enfim, há leituras do acontecido para todos os tipos de gosto.
O que não dá para negar é que, independentemente dessas análises, razões de força muito maior empurraram o presidente Lula para a vitória nas urnas e elas têm a ver com o desempenho da economia nos quatro últimos anos.
Não houve setor mais combatido na administração Lula do que a política econômica. O PT, principal partido da base de governo, pregou e continua pregando o abandono do modelo adotado. Empresários, economistas e analistas não pararam de malhar o que entenderam como condução excessivamente ortodoxa da política econômica. Metade do ministério, a começar pelo vice-presidente José Alencar, não parou de sabotar as vigas mestras da política econômica: a formação do superávit fiscal de 4,25% do PIB, a política de metas de inflação e o câmbio flutuante, que teima em valorizar o real.
E, no entanto, contra toda essa pressão e, até mesmo, a despeito de suas vacilações pessoais, o presidente Lula decidiu cumprir os compromissos assumidos na Carta ao Povo Brasileiro (de junho de 2002), conquistar a confiança externa e dar prioridade à obtenção da estabilidade.
Do ponto de vista dos interesses do assalariado, que pouco sabe avaliar os fundamentos técnicos da economia, os resultados apareceram. A inflação, que era de 12,5% em 2002, caiu para abaixo dos 3% ao ano neste 2006. O poder aquisitivo do salário foi reforçado. O trabalhador sente que seu padrão de vida melhorou e agora está retribuindo com seu voto.
Isso pode não ser tudo, porque ainda houve o reajuste mais generoso do salário mínimo, a expansão do programa Bolsa-Família e uma explosão de prodigalidades eleitoreiras ao longo deste ano. Tudo isso ajuda a explicar o acontecido. No entanto, não houvesse o ambiente básico favorável, isso tudo teria sido de pouca valia para os projetos eleitorais do presidente Lula. Apesar do crescimento econômico medíocre, o grande puxador de votos foram os resultados canalizados para o bolso do consumidor.
Começa nesta segunda-feira a nova transição para a segunda administração Lula. E o que está sobre a mesa não é propriamente a escolha de nomes para os cargos mais importantes da administração econômica, assunto a que os jornais começam a se dedicar. A questão de fundo são os rumos a dar à política econômica no próximo quadriênio.
Uma vez mais, o presidente Lula está diante de duas opções. Ou continua no caminho adotado até agora, para o qual o equilíbrio fiscal e o controle da inflação são condições necessárias (embora não suficientes) para o crescimento sustentado; ou aceita a partitura desenvolvimentista, que prega a derrubada imediata dos juros, não dá a mesma importância ao equilíbrio fiscal e se mostra bem mais tolerante com a inflação.
O presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, avisou, na semana passada, que, se dependesse dele, seria dada prioridade ao crescimento econômico. O resto (investimentos, aumento da oferta e controle da inflação) viria naturalmente. Juros, câmbio, controles orçamentários e demais comandos de política econômica seriam todos postos a serviço desse objetivo, não importando os seus custos.
Até agora, sempre que levado a manifestar-se sobre o assunto, Lula preferiu dizer que não se deixará comover por cantorias que prometem viradas fáceis.
No entanto, são fortes as pressões para desapertar as amarras e deixar que os ventos levem o navio. E, desta vez, não está lá, como escudeiro, o ministro Palocci, que nos primeiros três anos do governo resistiu às mudanças de rumo.