A privatização foi decisiva para
o crescimento da Vale do Rio Doce,
que, com a compra da Inco, se tornou
a segunda maior mineradora do mundo
Lucila Soares
J.P.Moczulski/Reuters |
Agnelli, da Vale, e Scott Hand, da Inco, comemoram o negócio de 13,3 bilhões de dólares. Abaixo, a unidade da empresa em Tubarão |
CVRD/divulgação |
Ao comprar a canadense Inco, na semana passada, a brasileira Companhia Vale do Rio Doce tornou-se a segunda maior mineradora do planeta. O fechamento do negócio na reta final de um processo eleitoral em que a privatização esteve na berlinda é uma feliz coincidência. A aquisição bilionária – 13,3 bilhões de dólares – é a mais candente prova de que a privatização, levada a cabo em 1997, só trouxe benefícios à empresa, a seus acionistas, a seus empregados e ao Brasil. Nas mãos do Estado, a Vale não teria condições de se consolidar como empresa global, presente em dezoito países. Desde que passou às mãos da iniciativa privada, a Vale teve seu lucro multiplicado por 13, as vendas por 2,5, o valor de mercado por mais de 8 (veja o quadro). Ao contrário do que se alardeia como uma desvantagem das privatizações, o espetacular crescimento da mineradora fez com que, hoje, o grupo empregue diretamente 39.000 pessoas, contra 11.000 em 1997.
A Vale, criada em 1942, constituía uma exceção à ineficiência reinante nas estatais. Desde 1974 era a maior exportadora de minério de ferro do mundo. Mas o Estado funcionava como um freio que impedia seu pleno desenvolvimento. A companhia era competitiva internacionalmente. No Brasil, entretanto, submetia-se aos órgãos de controle de preço do governo. E, a partir de 1979, quando foi criada a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (Sest), perdeu completamente a autonomia. Não podia gastar, ainda que fosse para gerar mais receita. Estava, portanto, condenada ao sucateamento, num processo estimulado também por focos de ineficiência típicos de empresas estatais. Os processos de licitação eram burocratizados, havia restrições à contratação de pessoal e limites a reajustes salariais, sem falar na nefasta ingerência política na nomeação de diretores. Hoje a companhia tem uma política de incentivos que permite a contratação de profissionais de primeira linha, o que contribui para aumentar sua eficiência. "A privatização deu à Vale liberdade de gestão, e isso é o que está por trás do desempenho atual", resume Tito Martins, diretor de Assuntos Corporativos da empresa.
Não foi um processo indolor. A Vale enfrentou um severo programa de cortes. Antes da privatização, o número de funcionários já havia sido reduzido de 18.000 para 14.000. O passo seguinte foi cortar ainda mais. A empresa terminou 1997 com um quadro de 11.000 empregados – uma redução total de 38%. Essa reestruturação foi fundamental para enfrentar uma conjuntura internacional adversa, com os preços do minério de ferro em queda e, em seguida, as crises financeiras que sacudiram o mundo em 1997 e 1998. Quando as tempestades amainaram, a empresa estava pronta para crescer. O resultado é que a Vale tem hoje grau de investimento, um status conferido pelas agências de risco a empresas com grau mínimo de risco. E conseguiu manter esse status apesar do grande aumento de seu endividamento pela compra da Inco.
A CVRD é destaque em um estudo feito pelos economistas William Eid Junior e Ricardo Rochman, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, que comparou o desempenho de treze empresas antes e depois da privatização por meio de seus balanços. Em todos os indicadores analisados, da receita ao lucro por empregado, da distribuição de dividendos ao investimento, ela foi uma das mais beneficiadas ao se livrar das amarras que a condição de estatal lhe impunha. Um outro estudo, de 1996, feito para o BNDES pelo economista Armando Castelar, mostra que, no conjunto de 46 empresas privatizadas entre 1981 e 1994, o faturamento cresceu 27%, as vendas por funcionário subiram 83%, o patrimônio triplicou e o investimento quadruplicou. No início desse movimento, era compreensível que houvesse resistência. O desenvolvimento industrial do Brasil baseou-se em grande parte nas estatais. Agora os fatos falam por si. Passadas as eleições, é hora de retomar o tema das privatizações sem rabugice ideológica, não apenas à luz de eventuais desvios de conduta dos leilões, mas também dos resultados obtidos na telefonia e na Vale.