Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 28, 2006

As relações de Lulinha com o lobista

"O Fábio ficava mais ali"

Do lobista APS, ao mostrar a VEJA
a mesa ocupada por Lulinha, filho do
presidente, em seu escritório de lobby


Alexandre Oltramari


Ana Araujo
O lobista em seu labirinto: confirma, desmente, confirma...

Em sua edição passada, VEJA trouxe uma reportagem revelando que o biólogo Fábio Luís Lula da Silva, filho do presidente, atuou como lobista no governo de seu pai. Em parceria com o sócio e velho amigo Kalil Bittar, Lulinha, como é conhecido, empenhou-se em favor da Telemar, a mesma empresa que o brindara com mais de 10 milhões de reais nos últimos dois anos. A reportagem também informou que, entre o fim de 2003 e julho de 2005, Lulinha e Kalil, sempre que desembarcavam em Brasília, tinham sala e ramal privativo no escritório do lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, investigado pela Polícia Federal por corrupção, contrabando e tráfico de influência. Assim que as notícias vieram a público, deu-se o ritual dos desmentidos de praxe. A Gamecorp, empresa de Lulinha e Kalil, divulgou uma nota negando o lobismo, mas não esclarecia nada sobre o uso do escritório de APS em Brasília. Já o lobista foi peremptório. Em entrevistas e por meio de carta enviada a VEJA, admitiu que Kalil freqüentara seu escritório de lobby, mas afirmou nunca ter visto o filho do presidente Lula no local. "O Fábio Luís nunca esteve no escritório. Só o vi em fotos publicadas pela imprensa", declarou o lobista.

Em sua negativa, APS não falou a verdade. O lobista conversou com VEJA em três oportunidades sobre o assunto. Dois contatos ocorreram em seu escritório em Brasília e um foi realizado por telefone, quando APS estava em Miami. Em todos os contatos, registrados pela revista, o lobista confirmou a VEJA que Lulinha e Kalil despacharam em seu escritório por quase dois anos. Numa das conversas pessoais, ocorrida no fim da tarde de uma quarta-feira, APS recebeu o repórter em seu escritório e conduziu-o à sala usada pela dupla. "Tem dois ramais na sala. Deixa eu ver qual era o ramal para a gente ficar sabendo aqui... O Kalil ficava mais aqui", disse ele, apontando uma cadeira. "O Fábio ficava mais ali", completou, indicando uma cadeira próxima. Em outro trecho da conversa, convidado a aparecer na reportagem que VEJA preparava contando sobre seu relacionamento com o filho do presidente, APS disse que antes precisava consultá-los. "Eu tenho de combinar com o Kalil também", disse ele, simulando a seguir a conversa: "Kalil, fui procurado e vou dizer que vocês vieram para cá. Não posso mentir". Em seguida, ponderando sobre o impacto que a revelação teria sobre a dupla, APS ponderou: "O Kalil eu acho que é mais responsável. Mas o Fábio não agüenta a porrada, não". Em outro trecho da conversa, APS chegou a reclamar dos pedidos que Lulinha fazia para sua secretária Claudia. "Pediam pra ela coisas idiotas, coisas burras. Tipo: 'Tô precisando de uma informação sobre um game da Sony. Pode consultar pra mim? Aí ela ia lá: www..."

Ao proteger Lulinha, deixando apenas seu sócio na incômoda situação de despachar na casa do lobby, APS faz sombra sobre o filho do presidente, mas ilumina a figura de Kalil Bittar. De fato, Kalil parece ser a figura de proa no lobismo da dupla – cujas histórias aparecem em volume crescente em alguns segmentos bem informados. Uma delas indica que, no início de 2003, Kalil começou a transformar uma agência de publicidade nanica numa potência. Era a desconhecida Matisse, cuja atuação estava restrita a Campinas. Kalil, com seu faro para bons negócios, convidou o dono da Matisse, o empresário Sérgio Cerqueira Leite, para se associar ao marqueteiro Paulo de Tarso Santos – responsável pelas campanhas de Lula em 1989 e 1994. "Foi através do Kalil que fizemos a associação. Nunca escondi isso de ninguém", admite Paulo de Tarso. O notável é que, alguns dias depois de firmada a sociedade, a Matisse conseguiu a proeza de vencer uma das mais cobiçadas concorrências do mercado publicitário brasileiro. Abocanhou um terço dos 150 milhões de reais da verba publicitária da Presidência da República. Os outros dois terços foram divididos entre as agências Duda Mendonça & Associados e Lew'Lara. Assim, como que num piscar de olhos, a agência nanica virou gigante. Um fenômeno.

Logo após a vitória na licitação milionária, Kalil saiu por aí com uma pasta de documentos na mão e uma idéia na cabeça. Na pasta, levava uma radiografia financeira do novo xodó da publicidade nacional, a Matisse. Faturamento, número de empregados, dívidas bancárias – estava tudo lá. A idéia era vender a agência, agora turbinada com dinheiro público, por 10 milhões de reais. Kalil chegou a oferecer a Matisse a pelo menos três publicitários paulistas. Consultado por VEJA, ele mandou dizer que nunca fez nada com a Matisse, muito menos tentou vendê-la. Kalil esqueceu-se de combinar essa versão. O marqueteiro Paulo de Tarso admitiu que Kalil realmente andou oferecendo a Matisse no mercado. "Eu soube que ele tentou vender a agência, mas não gostei. Achei muito esquisito. Ele levou um esporro meu", diz o publicitário. "Não renego minha amizade com o Kalil, mas não me responsabilizo pelas atitudes dele." Paulo de Tarso diz que mandou suspender as traficâncias de Kalil assim que tomou conhecimento delas. "Eu tinha poder de veto. Ele não podia fazer isso sem o meu aval." A pergunta que fica: o que sucederia se o sócio de Lulinha admitisse sua relação com a agência de publicidade que detém um terço das verbas da Presidência da República?

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