Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 28, 2006

Mr. Gore vai a Hollywood

Com Uma Verdade Inconveniente,
o ex-futuro presidente alerta para
o aquecimento global – e mostra
do que é feito um homem público


Isabela Boscov

Divulgação
Gore em cena: de um punhado de slides ao sucesso em Cannes

DA INTERNET
Trailer do filme

"Boa tarde. Meu nome é Al Gore, e já fui conhecido como 'o próximo presidente americano'." A platéia ri. Pausa. "Não vejo qual é a graça", diz Gore, meio sério – e quebra o gelo de vez. Identificar obstáculos e lidar com eles é, ao que parece, um dos fortes do ex-vice de Bill Clinton. Vencedor das eleições presidenciais de 2000 pelo voto popular, o democrata Gore teve de conceder a vitória ao republicano George W. Bush por causa de um imbróglio na Flórida. Foi uma derrota amarga e, para curar-se dela, Gore retornou a um projeto iniciado duas décadas antes, de alertar os americanos para os riscos drásticos do aquecimento global na base do corpo-a-corpo, com palestras em todo e qualquer canto do país. Tirou do armário o projetor de slides, espanou a poeira das fotografias e montou-as nos carrosséis – de trás para a frente. A platéia de sua estréia teve de esperar quase cinqüenta minutos para que Gore as remontasse, pelo que seria a última vez. Graças ao fiasco, a apresentação foi transferida para o computador, onde começou a crescer e se atualizar. Tornou-se tão dinâmica que chamou a atenção de verdes graúdos de Hollywood, como os produtores Lawrence Bender (de Pulp Fiction) e Scott Z. Burns (dos anúncios Got Milk?). Graças à insistência deles, uma modesta apresentação de PowerPoint virou um filme – e de sucesso. Uma Verdade Inconveniente (An Inconvenient Truth, Estados Unidos, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, não só já é o terceiro documentário de maior bilheteria nos Estados Unidos, como fez de Gore uma espécie de pop star, que brilhou no último Festival de Cannes mais do que qualquer outro dos astros convidados.

Durante sua campanha presidencial, Gore foi prejudicado não apenas pelos escândalos sexuais da Casa Branca, mas por sua própria falta de pendor para a comunicação. Conhecido como um sujeito duro, sério e pesado, ele aparece mudado em Uma Verdade Inconveniente: revela senso de humor ("Tenho me beneficiado da total falta de expectativas a meu respeito", brinca), trata com elegância de questões pessoais – como a derrota – e demonstra capacidade quase infalível de abordar as dúvidas da platéia sobre o tema do aquecimento global, desde sua existência até suas causas e conseqüências. A idéia central da palestra é que só na mídia, na verdade, existe uma divergência sobre o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera e da temperatura no planeta: a comunidade científica pode até discordar em detalhes, mas converge no consenso de que o aquecimento é um fato, e um fato que se agrava em razão geométrica. O material científico reunido por Gore é amplo e impecável, e o encadeamento da palestra, vibrante. Só por essas qualidades, o filme já seria obrigatório.

Mas o verdadeiro trunfo aqui é Gore. Ao tratar do ambiente como uma questão moral, ele se alça acima das diferentes tonalidades do espectro político – e, quanto mais o faz, mais presidenciável parece, em todos os sentidos da palavra. Gore afirma e reitera que não está em seus planos imediatos voltar a concorrer. Para o eleitorado americano e de outras nacionalidades, sua contribuição já está dada: com Uma Verdade Inconveniente, ele demonstra que os homens públicos são os que trabalham em prol do bem comum. Estejam ou não no poder.

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