O Lula candidato à reeleição que chega hoje à sua oitava disputa para presidente da República é um político em permanente ascensão popular, com uma “geografia eleitoral” que vai mudando ao longo do tempo. Saiu de 17% da votação no primeiro turno em 1989 para 48,5% no primeiro turno deste ano, e pode repetir no segundo turno, se nada mudou depois do debate da TV Globo, a mesma votação expressiva do segundo turno de 2002, recebendo mais de 60% dos votos do eleitorado. Em 1989, quando se identificava como “o candidato da classe trabalhadora”, tinha sua base nesse eleitorado de classe média de esquerda, basicamente nas capitais estaduais, e em concentrações industriais, como o Vale do Aço, o Sul Fluminense e a região do ABCD paulista.
Além disso, tinha penetração em áreas onde há um eleitorado de esquerda com movimentos organizados fortes, como o Vale do Jequitinhonha, uma área muito pobre, onde há um trabalho social da esquerda católica; ou então em áreas de pequeno produtor rural no sul do Brasil, como o noroeste do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná.
No segundo turno mudou o quadro, porque Brizola o apoiou. A partir daí, sua geografia eleitoral não mudou muito, e ele perdeu duas vezes para Fernando Henrique no primeiro turno. Em 1994, ele já assimilara o eleitorado brizolista e sua votação foi muito parecida com o segundo turno de 1989, assim como em 1998. Para crescer, analisa o cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, com base em estudos dos mapas eleitorais, tinha que ir para cima dos tucanos e fazer o que Fernando Henrique já havia feito: acordo com as oligarquias regionais e com políticos populistas.
Em 2002, tanto Lula quanto Serra vão buscar as estruturas de poder instaladas no território nacional, que são formadores de opinião pública locais. O que os dois não tiveram no primeiro turno foi o voto das igrejas evangélicas, que ficaram com Garotinho, e haviam ficado com Collor e Fernando Henrique nas eleições anteriores.
A queda de José Serra foi maior na Região Norte e Centro-Oeste, onde há a mais alta taxa de evangélicos pentecostais.
Essa posição pragmática não é muito diferente, segundo Cesar Romero, da de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique, significando que mesmo partidos urbanos de centroesquerda, como o PT e o PSDB, não chegam ao poder se não fizerem alianças com as oligarquias regionais, pois o percentual do eleitorado no interior é muito grande.
Tanto Lula quanto Alckmin mostram capilaridade no interior do país nos mapas de votação deste ano, por causa das alianças com as oligarquias regionais. A candidatura do Alckmin tentou abranger o “arco da sociedade”, vai das oligarquias, com ACM na Bahia, até um partido de esquerda como o PPS do Roberto Freire.
Lula não é diferente: vai do PCdoB ao Sarney, passando pelo Delfim Netto. Ou ainda incorporam políticos populistas às suas candidaturas, como Garotinho e Zito, por parte do Alckmin, e Newton Cardoso e Jader Barbalho por parte de Lula.
Para se chegar à Presidência da República, é fundamental que se tenha máquina nos grotões, e quem tem liderança lá são as oligarquias, reafirma Romero Jacob. Lula com o Bolsa Família, e antes Fernando Henrique com o Bolsa Escola, começaram a implodir as oligarquias, acabando com as intermediações.
Do ponto de vista das estratégias para se chegar ao poder, não há muita diferença entre um e outro.
De 2002 para 2006, o percentual de votos de Lula continua muito parecido, mas ele trocou a sua área de influência com o crescimento no Norte e Nordeste, e a queda no Centro-Oeste e Sul. O Sudeste ficou dividido: parte de Minas, Espirito Santo e Rio com Lula, e uma parte de Minas e São Paulo com Alckmin. Lula recolheu a maioria do eleitorado de Heloísa Helena e Cristovam, que estava em desacordo com o que o governo fez, dando uma guinada à esquerda no segundo turno.
Segundo Romero Jacob, talvez a esquerda esteja abandonando Lula por governar com a direita.
Brizola sofreu com isso ao chegar ao poder e governar com os chaguistas. Do mesmo modo Fernando Henrique sofreu ao optar pela aliança com o PFL. “É a vitória do pragmatismo na política brasileira, um reconhecimento de que não se governa no Brasil sem algum tipo de compromisso com esse Brasil dos grotões, da periferia metropolitana pobre”, analisa Romero Jacob.
Romero Jacob diz que fora a eleição de 1989, que foi mais ideologizada por ser a primeira depois da ditadura, as demais tiveram um condicionamento econômico forte, Fernando Henrique ganhou por causa do Plano Real, e, para Romero Jacob, não ganharia sem o PFL por que o PSDB não tinha máquina, que começou a montar quando chegou ao poder.
Nas eleições municipais de 1996 e em 2000 montou sua teia partidária pelo país.
Também em 1998, Fernando Henrique ganhou com a assertiva de que quem criou o real é que pode salvar o real. E em 2002 perdeu porque a percepção do eleitorado foi de que ele não salvou o real, mesmo que o desarranjo econômico ocorrido no ano eleitoral, e que sacrificou o ano de 2003, tenha sido causado pelo temor da vitória de Lula.
Agora, analisa Romero Jacob, o que vai ter valor político será saber se Alckmin, com a boa performance no debate final da TV Globo de sexta-feira, terá conseguido recuperar votos que perdera para Lula no segundo turno.
Se tiver mais que os 39% que Serra teve no segundo turno de 2002, ou mesmo se melhorar sua votação do primeiro turno, voltará a ser um elemento importante no jogo interno do PSDB. Se, porém, Lula encerrar a eleição com uma votação acima de 61%, pode ser sinal de desgaste do PSDB.
Entrevista:O Estado inteligente
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