Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 25, 2006

Dora Kramer - O direito à verdade



O Estado de S. Paulo
25/10/2006

Entendida em seu significado estrito, a declaração do governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, sobre o "direito" à mentira garantido legalmente aos petistas já comprovadamente envolvidos na urdidura do dossiê, até pode ser absorvida como a constatação óbvia de que a lei assegura aos réus a omissão da auto-incriminação no exercício da defesa.

Compreendida em seu sentido mais amplo, porém, equivale sim ao salvo-conduto que na mesma entrevista Wagner nega que a legenda do PT confira a seus integrantes. "Atestado de idoneidade não vem com ficha de filiação partidária. É uma coisa anterior", disse ele. De fato.

É o que deveria ter sido exigido de Expedito Afonso Veloso antes de ter sido entregue a ele uma diretoria do Banco do Brasil; de Jorge Lorenzetti antes de ter sido a ele conferido um cargo no Banco de Santa Catarina, o posto de chefe do setor de inteligência da campanha presidencial e acesso livre ao Palácio da Alvorada; de Oswaldo Bargas antes de ter recebido a tarefa de participar da elaboração do programa de governo do candidato à reeleição; de Ricardo Berzoini antes de ter sido dado a ele todo apoio para se eleger presidente do PT; de Hamilton Lacerda antes de ter sido nomeado assessor de confiança do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante.

Isso para não perder tempo em falar dos outros que se envolveram em infrações de toda sorte e hoje são alvo de inquéritos na polícia e na Justiça. Atestado de idoneidade poderia, por exemplo, ter sido exigido de Waldomiro Diniz antes de se entregar a ele a missão de cuidar das relações entre a Casa Civil e o Parlamento.

Daquele escândalo, em fevereiro de 2004, até este último caso do dossiê perde-se a conta do número de petistas e simpatizantes que sentam simbólica e objetivamente no banco dos réus, exercendo o direito à mentira agora com tanta desenvoltura invocado por Jaques Wagner.

Foram inúmeros os que se apresentaram diante das CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão, para mentir e omitir. Em tese, exerciam seu direito de defesa, mas, na prática, obstruíram as investigações, impediram os deputados e senadores de apresentarem conclusões mais concretas e completas.

O mesmo ocorre agora com o plantel de petistas implicados na operação de compra do dossiê de denúncias amoldadas ao objetivo de desmoralizar adversários eleitorais. Mentem, contam nisso com a benevolência dos correligionários e, assim, em nome de uma estratégia de adiamento de conclusões, subtraem o direito da população de saber a verdade.

Se eles têm o privilégio conferido por lei de mentir, o eleitor tem a prerrogativa de saber o que se passou. Não fossem os petistas do poder tão lenientes - numa atitude vocalizada pelo governador eleito da Bahia, mas compartilhada à larga dentro do governo - para com seus companheiros, teriam, no mínimo, defendido que contribuíssem, e não advogado em prol da omissão.

Se não o fazem, não deve ser porque não querem, pois injusto com eles seria supor que deliberadamente pretendessem cassar essa garantia ao cidadão. Se não o fazem, a justificativa amena da mentira faz supor, é porque não podem.

E se não podem combater ao lado da transparência é porque a luz lhes faz mal, a revelação das coisas tal como realmente se passaram os complica e, portanto, lícito que se conclua pela existência de culpa no cartório.

De fábrica

Jaques Wagner sempre foi um moderado dentro do PT. Líder do partido na Câmara, sua razoabilidade de trato e pensamento sempre lhe assegurou trânsito entre os adversários e lugar naquele grupo de petistas não-alinhados com os métodos "vamos que vamos" consagrados pela ala mais pesada comandada por José Dirceu.

Seu elogio à mentira como arma de defesa indica que a leva de petistas agora prestigiada por ter votos e compostura poderá padecer do mesmo veneno. Se Wagner e companhia forem por esse caminho, desmontam a tese de que o defeito do PT está no "esquema paulista".

Aos fatos

Abel Pereira mente quando diz que seus negócios com Luiz Antônio Vedoin versavam sobre um dossiê contra Aloizio Mercadante.

O material que ele negociava com o capitão da máfia das ambulâncias era o mesmíssimo que Jorge Lorenzetti tentou comprar, interceptando a transação entre Vedoin e Abel.

Gente boa (no sentido de importante) do PSDB foi consultada sobre possível interesse na compra. A partir daí há duas versões. A tucana reza que houve recusa por insuficiência de consistência na documentação; a petista insinua que Vedoin foi instrumentalizado pelo Ministério Público para atrair os petistas para uma armadilha.

De parte a parte, ninguém está contando as coisas direito. Lorenzetti, por exemplo, não conta a história inteira quando omite a promessa feita a Vedoin de que, Lula reeleito, ele não seria "perseguido" pelo governo.

Os termos da negociação não esclarecem o real significado de "perseguido", mas que houve a proposta, houve.

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