Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 31, 2006

Arnaldo Jabor - O colunista em coma político



O Globo
31/10/2006

Como ficou o país 17 anos depois?

Blargh... blargh....
- Deus... ele está acordando... milagre!... Depois de tantos anos em coma, o colunista está acordando!...

- Brarrazil... mamma... Luuuuu... luuuuu... luuuulaa...?

- Quer saber do Lula... Ele está em coma desde o Grande Salto para a Frente do segundo mandato, sob pressão dos sindicalistas, empregando mais 80 mil cumpanheiros na máquina pública, o chamado "aparelhamento para a liberdade"...

- Lulaaa...?

- Calma.... respire devagar.

Hoje, Lula é o curador do Museu do PT, todo em mármore vermelho, um projeto do Niemeyer. São filas imensas como diante de um Lenin vivo, e o Lula, apesar da idade, está lúcido, contando as histórias da Presidência, até o dia do grande crash, quando os sindicalistas derrubaram-no do poder, sob o comando do Sérgio Sombra, a mão direita do Celso Daniel, que foi declarado pelo STF "um suicida neoliberal que teria se matado para incriminar o PT".

- Que... craaaashhhh?

- Devo contar para ele?... Bem, como sempre, nada passava no Congresso ou no Judiciário. E o Lula tinha de compensar isso com gestos populistas, discursos inflamados, bonezinhos coloridos... Lula ainda tentou acordos com a oposição, mas pefelistas e tucanos não quiseram, e os bolchevistas não deixaram... Foi a época do plano Crash para o Progresso, quando professores inativos e militantes imaginários exigiram uma radicalização bolivariana-tiradentista sugerida por Hugo Chávez e seu assessor Jose Dirceu: reestatização total, aumento de impostos e gastos, negação de qualquer reforma e extinção do agronegócio com o Stédile na Agricultura.

Era finalmente o crash revolucionário tão desejado pela Academia! Acabou o tédio macroeconômico; Meirelles foi agarrado no Planalto, e alegres sindicalistas da Jovem CUT colaram-lhe penas de galinha no corpo. Também saiu a MP autorizando a mentira aos políticos, projeto de Jaques Wagner, sem falar na vitoriosa criação do hábeas-corpus automático e da Rodada de Pa-mun-Jong criada pelo Itamaraty, a frente com a Venezuela, Bolívia, Irã e Coréia do Norte.

Foi lindo o churrasco da Nova Era, comandado por Lorenzetti, festa animada pelo conjunto de rock Los Aloprados e pela dupla de cantores Valdebran e Gedimar... Lula começou a beber um pouco mais nessa época e a discursar por três ou quatro horas, no estilo de Fidel, falando de sua infância e de como ele tinha feito o Plano Real, injustamente atribuído a FH. Começaram boatos de que ele fazia milagres e curava por imposição das mãos...

- O... arghhh...

- Ele está tremendo... mas vou continuar... Nessa época aboliram a Lei de Responsabilidade Fiscal, o real passou a se chamar mil réis, foram extintas as agências reguladoras, e... grande impacto... voltou a inflação, com a crise das dívidas interna e externa! Lula chorava ao declarar: "Não pago mais porra nenhuma!" Dava para escutar o barulho dos fluxos de dólares fugindo do país. O risco Brasil bateu recordes que fizeram o PCdoB chorar de orgulho: "É isso mesmo! Somos perigosos, sim, yankees!"

Houve bacanais nos paraísos fiscais, comemorando a chegada dos bilhões de dólares das elites brasileiras.

Aí explodiu a grande crise de desabastecimento, apelidada pelas massas, sempre brincalhonas, de Barriga Zero. Os stalinistas da Academia uivavam de felicidade, pois chegara o tão ansiado caos, fazendo os intelectuais sorrir: "Agora, sim, podemos começar do zero e acabar com a burguesia internacional!". E todos cantavam o hino que o Lula mandou compor: o "Nunca antes, brasileiros!".

- Blargh...

- Dá mais oxigênio a ele... No entanto, caro jornalista, aconteceu um estranho fenômeno: o país sifu, houve muito panelaço, passeatas de protesto, mas isso amainou logo, pois, sem querer, o Brasil encontrou a solução perfeita para a fome: a morte!

Descobrimos que a fome e a morte se auto-regulam, reduzindo a população, com o esvaziamento das periferias. A quebra da Previdência também foi uma vitória inesperada: nem precisou de reforma, pois o número de velhinhos aposentados diminuiu muito, ha-ha... Essa foi a grande surpresa: o Brasil ficou em paz, de volta ao doce pântano, à grande sopa de acochambros e corrupções, que sempre foram nosso caldo de cultura.

Passaram-se os meses e, na semana deliciosa em que Maluf e Clodovil se esbofetearam no plenário, disputando a Presidência da Câmara, o sucessor de Lula, o presidente evangélico Garotinho, lançou o Recua Brasil!.

- Garotinho?... orggh...?

- Rápido, injeção de cortisona! Ele está espumando... Sossega, leão!

Explico: com a queda do Lula, entrou o vice Alencar, que logo estatizou a Coteminas e foi sucedido por Garotinho, que, assim que subiu ao poder, lançou o Recua Brasil!, plano que foi ótimo porque nos livrou da angústia de progresso que oprimia os brasileiros... Foi um alívio! Voltou o sossego do atraso sem culpa. Mas, logo depois, o Garotinho foi assassinado por seu vice, Edir Macedo, que assumiu e aperfeiçou o Recua Brasil!, inspirado no suicídio coletivo daquele líder Jim Jones - lembra? Edir percorreu o Nordeste e as periferias com o programa Morra por Jesus. Foi um sucesso demográfico, coroado pela instalação da Alca, que nos transformou numa espécie de parque temático, um grande Porto Rico, mas com belos safáris na Amazon Authority, com ralis disputadíssimos no Piauí Desert, alem dos adventure tours nos morros cariocas...

Depois que se esvaiu o breve governo do vice Edir, quem chegou de volta à Presidência?

- Queeemmm?

- O velho José Sarney, com Rosinha de vice! Sarney intacto, nos seus 92 anos, ainda de bigode preto e jaquetão, nos governa hoje.

Corre, enfermeira, o pulso dele está caindo...

- Blarghhh... mama...

- Olha... não sofra, amigo, o Brasil está melhor assim, paralisado, mas feliz. Sempre foi assim, está tudo bem agora, pois desistimos do progresso e reencontramos nosso destino de toupeiras, de vira-latas...

- Pu#@+&***que o Par&#!!

- Ihhh! Agonia com palavrão! Rápido, enfermeira, massagem no peito... rápido... Ahhh... não... deixa pra lá... não adianta... ele já era...

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