Com direito a tudo
É tiro e queda: se cobrado a dar explicações sobre escândalos que abalaram seu governo, Lula responde que eles só existiram porque foram investigados. Procedeu assim outra vez no debate com Alckmin promovido pela Rede Record de Televisão
Dá para concluir, pois, que sem investigação não haveria escândalo.
Eis a receita barata e indolor para evitar escândalos: ignorá-los.
Fácil, não?
Candidato aqui e no resto do mundo diz qualquer coisa para se livrar de apertos.
Candidato com eleição praticamente assegurada diz muito mais do que apenas qualquer coisa.
Candidato, assim como Lula, que ainda ganha votos devido aos absurdos que diz, para esse o céu é o limite.
Pode sofismar à vontade, mentir à vontade e reescrever fatos à vontade. Pode mandar a lógica para o espaço e a compostura para o ralo.
Pode também patrocinar aberrações políticas - como Lula fez na tarde de ontem no interior do Maranhão.
PT, PSB e PC do B, partidos que sempre caminharam juntos, apóiam a eleição para o governo de Jackson Lago, do PDT. Até o PSDB apóia Lago, fora os chamados movimentos sociais, todos sócios de Lula no poder.
E, no entanto...
No entanto, Lula desembarcou na cidade de Timon para apoiar a candidatura de Roseana Sarney do PFL. Pouco se lhe dá que o PFL seja o principal adversário do seu governo e cobre sua cabeça em uma bandeja de prata.
Alegou que Roseana sempre o apoiou, assim como o pai dela, o senador José Sarney. Estamos conversados.
Foram raros os escândalos, desses que marcaram a ferro e a fogo o governo Lula, que viraram escândalos porque o governo decidiu investigá-los.
A Polícia Federal e o Ministério Público só entraram em cena à caça de culpados depois que a maioria dos escândalos foi denunciada pela mídia ou por alguém.
Foi assim, por exemplo, no caso de Valdomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil da presidência da República, flagrado cobrando propina a um bicheiro.
Foi assim no caso do funcionário dos Correios filmado embolsando R$ 3 mil.
Foi assim no caso do mensalão detonado pelo ex-deputado Roberto Jefferson.
A Câmara dos Deputados cassou o mandato de Jefferson porque ele não teria conseguido provar o pagamento do mensalão, como Lula lembrou ontem.
E cassou o mandato de José Dirceu porque ele fora acusado por Jefferson de comandar o esquema do mensalão – mas isso Lula esqueceu de lembrar.
Coerência não é mesmo o forte dos políticos...
Foi a mídia que descobriu o caseiro Francenildo da Costa, testemunha das idas e vindas do ex-ministro Antônio Palocci à alegre mansão do Lago Sul de Brasília onde rolavam festas íntimas e negócios suspeitos.
Foi ela depois que desconfiou da quebra do sigilo bancário do caseiro e da perseguição movida a ele.
Foi a mídia que estranhou a generosa ajuda dada em dinheiro pela Telemar à então minúscula empresa de jogos eletrônicos de um dos filhos de Lula - mas essa foi uma história deixada de lado.
O caso dos sanguessugas, não - esse nasceu dentro da Controladoria Geral da União. Assim como o caso dos vampiros que desviaram recursos públicos para a venda a preços superfaturados de remédios derivados do sangue.
A verdade é que o governo e o PT comportaram-se em relação a todos esses casos de modo a emperrar sua apuração.
A CPI dos Sanguessugas, por exemplo, teve de ser criada duas vezes até poder funcionar.
A CPI dos Correios que mordeu os calcanhares dos mensaleiros quase não saiu porque o governo manobrou até a última hora para retirar as assinaturas que garantiam sua instalação.
A Polícia Federal apreendeu R$ 1,7 milhão destinado à compra de um dossiê contra políticos do PSDB sem fazer a mínima idéia de que ele fora arrecadado pelo PT - e de que o caso ganharia a importância que ganhou.
Ao se dar conta disso, baixou a bola das investigações.
A poucos dias de ser reeleito, Lula espera que a oposição esqueça tudo que ocorreu até aqui e desista da idéia de disputar um terceiro turno.
Parte da oposição atenderá ao pedido dele. Parte, não.
Mas o terceiro turno não depende da oposição. Depende dos desdobramentos de ações que tramitam na Justiça e de denúncias que venham a ser oferecidas pelo Ministério Público e pela Procuradoria Geral da República.
Se restar provado que o caso do dossiê constitui crime eleitoral do qual se beneficiaria a campanha de Lula, ele não poderá ser remetido para o fundo de uma gaveta só porque Lula foi reeleito.
Mesmo assim, a hipótese do terceiro turno é remota. Meia dúzia de ministros do Tribunal Superior Eleitoral não teria peito de tomar de Lula um mandato conferido por mais de 50 milhões de eleitores.
O governo faz alarido em torno do terceiro turno só para acuar a oposição e, se possível, domesticá-la.