O Estado de S. Paulo |
27/10/2006 |
Os embaixadores estrangeiros acreditados em Brasília acompanham a eleição presidencial com esmero. A atenção dos diplomatas está voltada principalmente para a sustentação política do governo Luiz Inácio da Silva no segundo mandato e para a resistência de sua popularidade aos tempos que, conforme antecipam nos relatórios para seus governos, se avizinham bicudos. Essa avaliação nada otimista se baseia numa regra geral - a de que os segundos mandatos no mundo todo são piores que os primeiros - e numa circunstância específica: o passivo de escândalos e atritos políticos herdados do primeiro período agora em fase final. Nutrem curiosidade sobre um possível alinhamento mais estreito aos Estados Unidos, mas a preocupação maior no que tange à política externa guarda relação direta com os rumos da política interna. Se Lula se fragilizar ao ponto de perder popularidade de modo significativo, apostam que a saída do presidente será viajar mais para o exterior. Mas se o governo não produzir a contento, os diplomatas temem pela impossibilidade de montar agendas de visita consistentes para Lula em seus países. Um cardápio substancioso, na visão deles, seria decorrente de uma pauta interna baseada em reformas que tornassem o Brasil mais competitivo no mundo e em pacotes de incentivos para investimentos nacionais e estrangeiros. Mas o mundo diplomático vê o governo brasileiro mais preocupado em controlar do que em criar condições. Especialmente preocupante lhes pareceu uma entrevista de Ricardo Berzoini, ainda na condição de presidente do PT, antes do primeiro turno, dizendo que no próximo mandato não haveria reformas. Ficam curiosos: essa é a posição isolada de um petista ou é uma tradução fiel das pretensões do presidente Lula? A tendência é cravar a segunda hipótese. Os embaixadores tampouco vêem o adversário, Geraldo Alckmin, como uma alternativa espetacular. Seu desempenho na campanha não deixou boa impressão, notadamente no segundo turno, por não ter, na visão deles, sabido responder à altura à estratégia do PT de manipular negativamente o programa de privatizações do governo anterior. Neste ponto, um parêntese para a análise estrangeira sobre meios e modos da política brasileira. Olham com alguma perplexidade o processo nacional, que consideram absolutamente diferente do que ocorre em qualquer outro país da América Latina. Aqui, para eles, até o populismo é peculiar. Enquanto nos outros países é sustentado apenas na figura forte do líder, no Brasil tem como base e motivação uma intrincada rede de apoios e trocas de favores entre as forças políticas, independentemente da doutrina de cada uma. Outro fator que nos diferencia, na análise que fazem embaixadores nas suas trocas de informações, é a influência que as diversas regiões têm numa decisão eleitoral. Citam exemplos: no Chile, o primordial é Santiago, na Argentina, Buenos Aires, no Peru, Lima e assim por diante. Aqui, São Paulo é importante, mas não decide sozinho. Conseqüentemente, os políticos regionalizam suas mensagens, para cada público um recado. 'Na Amazônia são mais amazônicos que a selva e no Rio Grande do Sul são mais gaúchos que o chimarrão', aponta um deles. Na tarefa de trabalhar as nuances regionais, Lula foi bem mais hábil que Alckmin, consideram. O tucano ficou preso ao figurino paulista. Mas, nessa altura, o PSDB só os preocupa no tocante ao tom que o partido imprimirá à sua oposição. Mesmo assim, acreditam que Lula terá problemas mais à frente, mesmo se os oposicionistas forem amenos, por causa dos resultados das investigações em curso. Bem informados sobre a política nacional, citam de cor algumas delas: o uso dos cartões corporativos, o destino das cartilhas superfaturadas, o dossiê Vedoin e, é claro, a denúncia do procurador-geral sobre a 'organização criminosa' montada pelo PT. A questão posta em discussão entre a diplomacia estrangeira é: até quando e como Lula conseguirá governar nesse ambiente de adversidade? O horizonte previsto não é muito amplo. Acreditam numa lua-de-mel de, no máximo, 100 dias. Nesse período, seria a chance de Lula assumir a dianteira da agenda nacional. Se não o fizer, a expectativa é de que se torne refém dos problemas. E aí vem o receio não explicitado, até porque nesses assuntos mais delicados diplomatas são diplomáticos, de interrupção do mandato como decorrência dos escândalos de corrupção, antigos ou novos. Na opinião deles, se depender da oposição, essa hipótese está fora de cogitação. E por um motivo prosaico, definido por um embaixador de país ao norte: 'A melhor carta de Lula para se preservar é o José Alencar. Um senhor ótimo, mas é só.' Acuado, ferido na capacidade de governança, perguntam-se, Lula poderia ceder à tentação de recorrer a 'excessos daninhos' à democracia? Em princípio, a resposta é afirmativa, embora apostem que não seria bem-sucedido. Pela ótica do olhar estrangeiro, o Brasil não aceitaria, mas o instinto de passar bem à História alimentaria a tentativa. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, outubro 27, 2006
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