Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 28, 2006

Day after: como será o Brasil em 2007 se Lula vencer

Nem cassado nem impune

Um segundo mandato de Lula vai se equilibrar
entre a necessidade de apurar as denúncias
e o respeito à vontade das urnas

Diego Vara/Reuters
Alvo de graves denúncias, mas reeleito, Lula tem pela frente um horizonte de crises para administrar

O triunfo eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2002 foi celebrado como um exemplo edificante do que a democracia é capaz de proporcionar – a possibilidade de um brasileiro de origem humilde chegar ao poder sem nenhum sobressalto nas instituições. Agora, se confirmadas as previsões dos institutos de pesquisa, Lula será reeleito para um segundo mandato com uma votação que pode superar a de 2002. A diferença entre uma eleição e a outra é que a biografia de Lula encolheu com a erosão do seu pilar ético. Com isso, Lula chega ao segundo mandato como uma potência, mas frágil do ponto de vista político. Para conseguir governar, Lula vai precisar do auxílio da turma da pesada com que se aliou no passado recente em troca de malas de dinheiro. Na economia, alguns movimentos sociais já anunciam pressões para relaxar o rigor fiscal e aumentar gastos. Na área jurídica, há nuvens carregadas no horizonte. Há contra o presidente um processo que investiga a participação de assessores e membros do comitê de reeleição na compra do dossiê contra os tucanos. Embora o caso ainda não esteja esclarecido, as evidências contra o PT são eloqüentes. Tecnicamente, um crime eleitoral como esse pode custar a cassação do mandato de Lula. Politicamente, é outra história.

Paulo Whitaker/Reuters
Militantes do PSDB em comício de Alckmin: não há campanha pelo impeachment nem pela impunidade

Advertido desse risco por seus advogados, o presidente Lula já se prepara para enfrentar aquela que promete ser a primeira grande batalha do seu segundo governo. O processo, conduzido pelo corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Cesar Asfor Rocha, apura se houve abuso de poder político e econômico no episódio do dossiê. Contra si, o presidente tem o fato de a Polícia Federal ter apreendido 1,7 milhão de reais, dinheiro de origem comprovadamente ilícita, que tinha como guardiães quatro pessoas ligadas ao seu comitê reeleitoral em Brasília. Lula, de novo, garante que não sabia de nada, mas, em termos processuais, isso é irrelevante. "Na minha opinião, existe grande possibilidade de o processo levar a provas cabais de que houve abuso e de que o presidente pode ser cassado", afirma um ministro do TSE. Isso não quer dizer que o futuro do presidente esteja selado. A favor de Lula existe uma corrente de juristas que entende que o abuso só fica caracterizado caso se demonstre que o resultado das eleições foi de alguma forma alterado pela ação investigada. Em outras palavras, Lula somente poderia ser punido se fosse possível comprovar que a compra do dossiê foi decisiva para sua vitória eleitoral. Obviamente, entra-se aqui no campo da subjetividade absoluta – e nesse campo toda dúvida reverte em benefício do presidente.

"Pela jurisprudência, é muito difícil tirar do cargo um presidente eleito com 60 milhões de votos por causa de um dossiê que nem lhe beneficiou diretamente. Não que eu ache essa interpretação correta, mas eu diria que essa é a corrente majoritária do TSE", afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. No campo político, a situação de Lula não parece ser das piores no que se refere à podridão do dossiê. Na quinta-feira passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma entrevista a uma emissora de rádio em que disse ser contra os que defendem o impeachment de Lula. "Eleição você respeita. O povo decidiu está decidido." Mas fez questão de ressaltar que isso não é um convite à impunidade. "Isso não quer dizer que os erros não tenham de ser punidos." A conflagração entre governo e oposição diante da legitimidade da reeleição de Lula deve durar no mínimo uns seis meses, prazo que os especialistas acreditam que o tribunal levará para julgar o caso. Enquanto isso não ocorre, o clima de acirramento entre os dois lados pode até aumentar, embora Lula reze pelo contrário.

Rafael Neddermeyer/AE
Michel Temer, símbolo do governismo congênito do PMDB: negociação com Lula antes mesmo de sair do palanque de Alckmin

Na semana passada, VEJA ouviu quinze políticos e analistas. A avaliação consensual é que a temperatura vai subir muito nos próximos dois meses, talvez até superando o auge da campanha eleitoral. A oposição tende a concentrar esforços em provar que Lula sabia da trama do dossiê e só não se beneficiou dela porque a polícia chegou primeiro. "A oposição aprendeu muito nesses quatro anos e agora será mais dura, mais incisiva", promete o líder do PFL no Senado, José Agripino. "Recolhemos apoio de parte do eleitorado e da opinião pública que não aceita mais tanta corrupção e não aceitará se a oposição for leniente." No primeiro mandato, mesmo com ampla maioria no Congresso, Lula não conseguiu evitar a instalação da CPI dos Correios, que revelou os dutos de esgoto pelos quais transitavam os dinheiros petistas. Agora, com uma base de apoio aparentemente menos coesa e com o seu partido, o PT, ocupado com a polícia, Lula precisará buscar um governo de coalizão. "Não pode medir forças com a oposição, não pode apostar no radicalismo", diz o deputado Eunício Oliveira, do PMDB do Ceará, ex-ministro das Comunicações e um dos cotados para presidir a Câmara.

Otavio Dias de Oliveira
O ex-prefeito José Serra: governo pretende cooptar antigos aliados tucanos e enfraquecer a oposição


Será dura a missão de garantir um cenário mais tranqüilo para Lula daqui para a frente. Os caciques petistas vão se empenhar em obter uma maioria no Congresso que permita ao governo aprovar os projetos de seu interesse e, principalmente, blindar tentativas da oposição de instalar novas CPIs. Para isso, Lula já decidiu que vai negociar com os partidos, buscando soluções no atacado. O varejo, como se sabe, resultou no mensalão. O presidente também decidiu que agora entregará ministérios completos aos partidos aliados, o que significa que cada um deles poderá indicar do ministro ao ascensorista. Se o PTB de Roberto Jefferson fez tudo aquilo que se descobriu apenas com o comando dos Correios, do Instituto de Resseguros e com alguns outros cargos de segundo escalão, imagine o que se pode esperar a partir de agora. A negociação com o PMDB (de novo!) já começou. O objetivo do presidente é dar ao partido até seis ministérios, dezenas de estatais e a presidência do Senado. Com isso, busca atrair o partido inteiro, até a ala que arrasta asa para o tucano José Serra, simbolizada pelo presidente do partido, deputado Michel Temer. Temer, no entanto, do alto de sua solidez ideológica e partidária, já marcou reunião do PMDB para discutir se apoiará ou não o governo Lula.

Na área que permitiu seu excelente desempenho eleitoral, a economia, Lula garantiu a interlocutores que não existe margem para mudanças radicais. O tripé de sustentação da política macroeconômica será seguido à risca: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Os juros devem continuar sendo reduzidos gradativamente. Medidas que provoquem desgaste popular ou que requeiram mobilização no Congresso para a aprovação, como a reforma da Previdência e a autonomia do Banco Central, devem ficar candidamente engavetadas. "Lula acaba o primeiro mandato muito mais conservador do que iniciou. Ao final do segundo mandato, pretende ser ainda mais conservador", analisa um dos principais interlocutores do presidente. "Vai ser um governo igual ao primeiro. Mais quatro anos de mais do mesmo", prevê o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. Mas nem isso pode ser interpretado como sinal de tranqüilidade. Lula terá de suportar a pressão dos chamados movimentos sociais, até hoje apaziguados com gordas verbas e nenhuma contrapartida. Eles apostam em uma guinada para a irresponsabilidade fiscal.

Roberto Jayme/AE
Asfor Rocha apura se houve abuso

Sem preocupação eleitoral, o MST acha que a hora de mudar é agora. Há duas semanas, dezessete entidades ligadas ao movimento divulgaram um manifesto em que exigem o assentamento de 1 milhão de famílias no eventual segundo mandato de Lula. Para mostrar que a trégua está no fim, o MST invadiu três fazendas no Pontal do Paranapanema. Para completar as perspectivas de turbulência, não é difícil supor que criador e criatura em breve acabem se enfrentando. O cientista político Gaudêncio Torquato, da Universidade de São Paulo, já fez o desenho mental dos próximos tempos: "No primeiro ano, Lula vai pacificar o quadro político, deixando o PT de lado. Enquanto Lula governa, o PT se realinha, promove um expurgo interno e recria seu ideário histórico. A partir do segundo ano de governo, a força política virá de baixo para cima pressionando Lula, até provocar o grande encontro das águas. Ninguém sabe o tamanho que terá essa pororoca política". Mas uma coisa se sabe: ela se dará em um momento em que as atenções políticas já estarão voltadas para 2010.

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