Panorama Econômico |
O Globo |
26/10/2006 |
Dias depois, numa entrevista na TV Record, sugeriu aos trabalhadores de serviços essenciais que façam uma greve diferente: "Um trabalhador que trabalha no metrô não precisa parar; ele pode abrir as catracas para o povo andar de graça." Tudo o que um presidente pode sugerir, em qualquer situação em que há desacordo entre os cidadãos do país que preside, é que as partes negociem até se chegar a uma solução, dentro da lei, para as desavenças. O Brasil já nem nota que os fatos estranhos são estranhos. Acostumou-se. Na segunda-feira, quando a Bolívia avisou que não aumentaria o prazo de negociação com a Petrobras, insinuando que a empresa brasileira fraudou preços para ter lucros extraordinários, a primeira reação foi de Marco Aurélio Garcia. A impropriedade aí é que Garcia é hoje chefe do comitê de campanha do presidente à reeleição; não deveria estar no governo, nem falando em nome do governo. Mas o fez porque - outra esquisitice - o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, anda pulando de palanque em palanque, ocupadíssimo com as questões internas. Só ontem os jornais traziam a reação de Amorim, que deve ter se lembrado do cargo que ocupa no governo. Antes disso, outra bizarrice que foi banalizada: por quatro anos o Brasil teve dois chanceleres. Há também uma lista de fatos na categoria "parece estranho, mas não é". Nessa lista, está o apoio de Blairo Maggi à candidatura do presidente. O agronegócio sofreu muito nos últimos anos, tanto que jogou o preço da crise no governo, votando na oposição. O Centro-Oeste, onde Maggi tem seu reduto, deu maioria de votos a Geraldo Alckmin. Maggi é um grande proprietário de terras, grande produtor de soja, e é a favor do governo. Esquisito? Nem tanto. O último pacote agrícola incluiu a renegociação da dívida dos pequenos e médios produtores com as grandes empresas. Atualmente grandes tradings e produtoras de grãos financiam produtores menores. Quando a crise piorou, eles pararam de pagar aos seus credores. O governo refinanciou essa dívida, o que beneficiou grandes empresas como a Cargill, a Bunge e... a Maggi. No Brasil, existe até esquisitice com aviso prévio. Dias atrás, um dos líderes dos Sem-Terra, que anda às voltas com a Justiça, José Rainha, avisou que a trégua dada pelos Sem-Terra acaba no dia 29. Mais precisamente: "Vamos sair da trincheira no dia 29 às 17 horas." O país ficou sabendo que o movimento está fingindo bom comportamento para não assustar os eleitores e não prejudicar o presidente da República. Eles, que fizeram quase mil ocupações durante o mandato, deram uma "trégua", não se sabe a quem, mas com hora para acabar. É um avanço: agora, o país está sendo enganado com aviso prévio. Foram tantas as versões do presidente para os mesmos fatos que o brasileiro se perdeu. Se houver uma prova de múltipla escolha sobre o que disse Lula sobre aquele escândalo, a melhor resposta será "todas as alternativas anteriores". Entendi isso na conversa com o presidente. A mim, Lula disse que não havia perguntado a Ricardo Berzoini sobre o dossiê, porque não era "delegado de polícia". Disse mais: "Não perguntei, nem perguntarei." Dias depois, à mesma pergunta na TV Cultura, respondeu que chamou Berzoini, numa quarta-feira, pediu explicação e, como não houve explicação satisfatória, ele o afastou do comitê de campanha. Em cada um dos escândalos, Lula deu respostas múltiplas. Na entrevista do GLOBO com ele, relacionei cinco explicações diferentes para o mensalão (não sabia, foi traído, isso é feito sistematicamente no país, conspiração das elites, culpa da imprensa) e perguntei em qual Lula eu deveria acreditar. Ele disse: "Todos." Está vendo? Se tiver dúvida, sempre marque em "todas as alternativas anteriores". Não tem erro. O país faz um grande esforço para acompanhar todos os depoimentos dos envolvidos nos escândalos: declarações são publicadas, conferidas, acareações são feitas, contradições ressaltadas, depoimentos tomados. Tudo desperdício, porque o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, avisou que "os réus petistas têm o direito de mentir". Isso economiza tempo: não precisa nem saber o que explicaram, basta não acreditar. Nada normal também é a forma explícita com que o governo inteiro engajou-se na campanha eleitoral. Começou pelos ministros políticos, contaminou a área econômica, espalhou-se pelos outros escalões. Não está se falando nem de aberrações, como a do diretor de gestão de risco do Banco do Brasil, Expedito Veloso, mas, sim, de coisas mais simples, como a militância escancarada em pleno horário de trabalho nas dependências públicas. Fatos como os relatados aqui podem ser considerados como coisas exóticas, palavras estapafúrdias, ou podem ser vistos como são: desvios de comportamento que ameaçam a consolidação da cultura democrática do país. O Brasil se acostumou com maluquices e já não estranha mais nada. Num evento no Planalto, no dia 13, o presidente Lula, atendendo a uma reivindicação dos Sem-Terra e da Contag, disse: "Valeu a pena enfrentar a polícia." Ele é presidente de todos os brasileiros, comanda o governo, as Forças Armadas, o aparato policial; se acha que o pleito é justo, deve comandar o atendimento à reivindicação, e não mandar os cidadãos ao confronto com a polícia. |
Entrevista:O Estado inteligente
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