1. Primeiro, é preciso colocar o contexto em que a discussão do gasto público (o grande tema do momento e dos próximos anos) deve se inserir. Ou seja, será possível ao Brasil retomar as taxas de desenvolvimento no nível observado no período pós-1964?
Desde 1988, com o advento da nova carta constitucional, o Brasil vem operando num modelo de crescimento do gasto público, particularmente do gasto público corrente. O crescimento da economia e tudo o mais se subordina a isso. Se der para a economia crescer, bem; se não der, paciência. Danem-se os que ficam sem empregos. (A taxa média de crescimento do PIB desde muito se situa entre 2,5 e 3% ao ano, muito abaixo de nossa média histórica desde os anos quarenta e bem abaixo do crescimento atual médio dos emergentes). Esse modelo de crescimento continuado do gasto corrente só se viabiliza se a carga tributária crescer sempre acima do crescimento do PIB, como vem ocorrendo há muito tempo. Percebe-se agora que o modelo do gasto corrente está se exaurindo, pois as possibilidades de expansão da carga são obviamente sujeitas a limite. Uma hora a sociedade diz que não aceita pagar mais.
Há dois agravantes no nosso caso. Um é que o governo usou também o corte de seu investimento como instrumento de abertura de espaço para o crescimento do gasto corrente, e os investimentos públicos estão hoje está no menor nível imaginável. Ora, como o setor privado não substitui o setor público na maioria dos casos em que este costumava investir, vão aparecer gargalos. E dado que a carga tributária excessiva, juntamente com outros fatores desfavoráveis, desestimula o investimento privado, vai faltar capacidade de produção vindo dos dois lados - público e privado -, para o crescimento do PIB que se deseja (capaz de absorver os brasileiros que desembarcam no mercado de trabalho todos os anos).
O outro é que a crise fiscal levou à necessidade de geração de superávits elevados, o que acabou aumentando a pressão sobre a carga tributária, pois, do outro lado, os gastos correntes não-financeiros sempre crescem. Assim, o modelo tende a se esgotar em algum ponto, seja pelo lado das limitações de não poder tributar mais (a sociedade vem dando vários sinais nesse sentido), seja porque o investimento atinge um valor que é piso histórico (hoje, na União, chegou a algo ao redor de 0,5% do PIB).
Há vários indícios de que o limite do lado da receita está sendo atingido, pois o governo deu início a um processo de desoneração fiscal e os caminhos para angariar recursos fora dos tributos convencionais estão ficando saturados.
Como a queda dos juros reais é lenta por vários motivos (até porque o investimento total não cresce suficientemente, criando uma super-utilização de capacidade, o que leva a pressões inflacionárias), estamos chegando num ponto em que o superávit primário tende a cair antes de que as taxas de juros reais cheguem numa faixa segura.
Ou seja, adiciona-se o risco de uma crise de confiança na capacidade de o governo administrar sua dívida (que ainda é muito alta para os juros reais que praticamos; a dívida total é cerca de 50% do PIB, para juros reais ao redor de 10% ao ano, talvez a maior taxa básica de banco central no mundo).
Em conclusão, o governo enfrenta de frente o problema do gasto corrente excessivo ou o País terá de se contentar com o crescimento pífio dos últimos anos, ou mesmo uma nova crise macroeconômica. E o próximo governo terá de fazer o ataque nos seus primeiros dias, pois só terá essa oportunidade para angariar apoio político para as duras medidas que se farão necessárias. À medida que o tempo passa, sabe-se que os governos perdem força rapidamente, especialmente em segundo mandato. Ou, então, terá de depender de uma crise para mobilizar a sociedade em busca de uma solução, algo obviamente muito arriscado para sua sobrevivência e indesejável para a sociedade.
2. A taxa de juros básica está em nível compatível com as necessidades de manter a inflação sob controle? Pode baixar mais? Até quanto?
Na ausência de crises, e segundo a política em vigor, a queda dos juros reais vai depender de como a demanda agregada vai crescer nos próximos meses frente a uma capacidade de produção que não cresce como deveria. Uma utilização excessiva de capacidade (ou outras pressões similares) fará com que o BC reduza a velocidade da queda em curso. A convergência para as taxas de juros reais internacionais tende a ocorrer lentamente, principalmente em vista do quadro fiscal complicado que pode se configurar à frente, conforme item 1.
3. Por que o Brasil ainda não é investment grade?
Exatamente pelo que se colocou no item 1: crescimento pífio e superávits primários sem sustentabilidade garantida, duas faces da mesma moeda.
4. Será possível aumentar os investimentos públicos sem aumentar a carga tributária, especialmente levando em conta os gargalos do setor elétrico, portos e estradas?
O governo investe o menor valor de toda a história econômica recente. Na União, cerca de 0,5% do PIB. Na melhor hipótese de reduzir gradativamente, e numa certa medida, seus gastos correntes nos próximos anos, mas no quadro de receita estagnada, ou em queda proporcionalmente ao PIB, que se avizinha, a recuperação dos investimentos será necessariamente lenta, e mal dará para atender a parcela das necessidades da área de transportes. No mais, o ambiente para o investimento privado terá de melhorar significativamente.
5. Como resolver o problema de aposentados e pensionistas que já custam 12% do PIB, valor próximo do observado nos países desenvolvidos? Estaremos nos tornando um macro Uruguai?
O Brasil tem o que é provavelmente um dos problemas previdenciários mais graves do mundo. No regime geral (INSS), 1/3 do gasto se refere a pagamentos de 1 salário mínimo e sem contribuição prévia. Um segundo terço se refere aos benefícios de risco (pensões, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e por idade etc.) e pagamentos de ações judiciais, novamente sem cobertura contributiva. Apenas 1/3 do gasto está coberto por contribuições -- é a parcela dos que se aposentam por tempo de contribuição, e que recebem acima de 1 mínimo. Daí um déficit de 2% do PIB/ano, ou algo acima de R$ 40 bilhões. Na União, o regime de servidores é ainda mais desequilibrado, pois há basicamente 1 contribuinte por beneficiário, paga-se ainda em grande medida o último salário ao aposentado (vai demorar um tanto ainda para passar à média dos salários passados), e as contribuições dos servidores são baixas. Considerando todos os aposentados e pensionistas da União -- inclusive militares -- a contribuição total implícita é da ordem de 8% dos salários dos ativos. Ou seja, grosso modo, a União que, ao mesmo tempo, é patrão e financiador de última instância, entra com os restantes 92% da conta. Uma lista grande de medidas de ajuste precisa ser posta em prática para reduzir o gigantesco déficit previdenciário brasileiro, como desvincular o reajuste dos benefícios ao do salário mínimo, introduzir a idade mínima do INSS etc.
Raul Velloso é economista.