Panorama Econômico |
O Globo |
31/10/2006 |
Os sinais dados de mudanças na política econômica são mais uma etapa da eterna briga entre gastadores e fiscalistas. A idéia de que o governo possa se decidir pelo desenvolvimento, como se antes estivesse querendo não crescer, é bizarra. A divisão que se forma é parte da luta de poder do segundo mandato e tem um alvo claro: o presidente do Banco Central. Ontem à tarde, o presidente Lula chamou seu assessor de imprensa, André Singer, e pediu para desmentir as especulações: "Quem nomeia ministro sou eu, e o ministro é o Guido Mantega." Mas o problema não é Mantega e, sim, Henrique Meirelles. O presidente Lula teve uma vitória consagradora e pode fazer um balanço positivo da eleição: foi reeleito com 60% dos votos; o PT elegeu sete deputados a menos que na eleição de 2002, mas havia previsões bem mais catastróficas; nos estados, o partido passa a administrar mais dois, os quais conquistou em vitórias memoráveis: na Bahia, contra o PFL, e no Pará, contra o PSDB. Mesmo assim, terá apenas 84 deputados; os outros partidos que compõem sua aliança eleitoral estão barrados na cláusula de desempenho. Por isso, ele precisará como nunca do PMDB para governar. Esse é o quebra-cabeça ao qual o presidente se dedicará depois dos dias de descanso desta semana. Lula já disse a seus assessores que quer o Ministério pronto o mais rapidamente possível, para não perder um minuto do segundo mandato. Pode ser. Toda reforma ministerial começa com o presidente achando que é fácil, que quer fazê-la rapidamente. Acaba se transformando num difícil jogo de combinações de interesses. O presidente tem espaço para agir: quase a metade do Ministério é formada hoje por secretários-executivos que assumiram o posto com a saída do titular, e é aí que começará a fazer seu trabalho. A parte mais cobiçada de qualquer governo é a área econômica. O ministro Guido Mantega passou os últimos meses claramente em campanha pelo cargo e pela reeleição: só dava as boas notícias, apresentava soluções fáceis para problemas complexos e ontem se agarrou imediatamente ao discurso "desenvolvimentista" depois da senha dada pelo ministro Tarso Genro. O presidente convocou uma reunião com alguns ministros e já avisou que quer que cada um diga quais são as opções que podem ser adotadas para o país crescer mais. Para crescer, não basta querer. Ao contrário do que integrantes do governo disseram, o país não está preparado para esse crescimento. Tem algumas vantagens em relação a outros momentos, mas ainda tem obstáculos ao desenvolvimento não removidos. As vantagens: o primeiro governo Fernando Henrique começou com a crise do México instalada; o segundo governo, no meio do colapso cambial brasileiro; o primeiro governo Lula começou com a disparada do dólar e da inflação produzida pelo medo de um governo Lula. Ele teve que começar trabalhando para desfazer a crise. Agora, iniciará o governo com a inflação baixa, os juros caindo, o dólar estável. Mas, para crescer na faixa de 5%, como o governo planeja, não adianta trocar o ministro ou o presidente do Banco Central. Pode até sair pela culatra. O mercado ontem olhava desconfiado as notícias de que o governo pode mudar a orientação da política econômica. O risco é aumentar ainda mais a preocupação que veio crescendo nos últimos meses de descontrole fiscal. Agora que a eleição acabou, é preciso descer do palanque e arquivar frases como: "Este é o melhor momento econômico da história da República", ou "o país está preparado para crescer sem reformas", ou "foram construídas as bases, os alicerces, e agora é a hora de crescer". Não é o melhor momento da história da República, nem de longe, o país não se preparou para crescer, nem construiu as bases. Nos últimos anos, o investimento público caiu muito e dificilmente aumentará no próximo ano. A paralisia administrativa deste primeiro mandato - espera-se que seja corrigida no segundo - fez com que o governo não tivesse assinado até agora nem uma única PPP. O investidor privado de energia está temeroso e hoje só entra em investimento em que há um sócio estatal. A carga tributária continuou crescendo no governo Lula, depois de ter aumentado muito no governo Fernando Henrique, e isso estrangulou a capacidade de investimento das empresas. A preocupação "neurótica" com a inflação é que garantiu um cenário econômico favorável ao presidente Lula. O país não cresce o suficiente, mas a inflação baixa, os preços baixos dos alimentos, deu ao eleitor uma sensação de conforto econômico, como tenho explicado aqui. Esse resultado foi um grande fator do sucesso do atual presidente. A popularidade de Lula depende mais do que ele imagina de se manter a inflação baixa. Portanto, as escolhas de políticas para incentivar crescimento devem obedecer a limites fiscais; do contrário, a elevação da inflação pode derrubar sua popularidade. Distúrbios, como escolhas políticas para o Banco Central, voluntarismo na política econômica, são formas de erodir o patrimônio conseguido neste primeiro mandato. É falso o dilema entre inflação e crescimento, como o Brasil já teve inúmeras oportunidades de provar. Não há uma luta entre austeros malévolos de um lado, e desenvolvimentistas bonzinhos do outro. Só há desenvolvimento com inflação baixa e controle dos gastos. O resto é a pirotecnia já tentada no passado, e que fez o Brasil conhecer a pior inflação da história. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, outubro 31, 2006
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