O Globo |
30/10/2006 |
As idéias estatizantes, vagamente socialistas e contra a livre iniciativa foram vitoriosas nestas eleições. Quando poder-se-ia esperar um aprofundamento das mudanças, com ênfase num enxugamento do Estado e em sua maior eficiência, observou-se um recrudescimento de idéias contra as privatizações, como se essas fossem as responsáveis de todos os males do Brasil. Fatos inequívocos como a falta de capacidade de investimento do Estado, a ineficiência dessas empresas, o seu uso político e fisiológico, a corrupção que muitas padeciam, foram deixados de lado como se um grande bem tivesse sido jogado ao lixo. Idéias são como óculos mediante os quais vemos a realidade. Nunca chegamos nu diante das coisas, mas sempre "vestidos" de determinadas concepções que dão forma ao que vemos e compreendemos. A realidade sempre aparece recortada de uma determinada maneira. No que diz respeito à vida da sociedade, as idéias orientam a nossa compreensão do mundo e nossas ações, de modo que agimos segundo o que elas estabelecem. Eis por que é da máxima importância que as idéias mudem, para que a sociedade também possa mudar. Um exemplo particularmente interessante reside no processo de privatizações levado a cabo pelo ex-presidente Fernando Henrique. Sem dúvida, esse processo foi um enorme sucesso, possibilitando que empresas deficitárias se tornassem modernas e superavitárias, algumas delas se tornando players globais. A sociedade foi beneficiária desse processo, porém as privatizações não vieram a ser consideradas como um bem. O PT, na oposição, sempre foi contrário às privatizações, não tendo jamais cansado de acusar os seus responsáveis como beneficiários de negócios escusos. Privatização tornou-se sinônimo de privataria, como se o problema estivesse assim resolvido. O discurso ideológico permaneceu intacto, apesar de a realidade ser bem outra. Ao chegar ao poder, o PT sequer cogitou em reestatizar essas empresas, nem levou adiante qualquer averiguação sobre a suposta corrupção nelas envolvidas. Ora, o partido procurou tirar o foco da corrupção vigente em seu governo, retornando a idéias anteriores, a um imaginário político que continua presente no país. Como o imaginário antiprivatizante continua atuante, toda a estratégia eleitoral petista consistiu em reforçar a opinião pública no que dizia respeito a essas idéias. E os tucanos não souberam reagir. Alckmin gastou tempo tentando demonstrar o que seria "indemonstrável" junto à opinião pública, a saber, que não pensava privatizar empresas estatais. "Indemonstrável", pois as idéias vigentes não permitiam ver que não havia projeto algum deste teor. Elas só permitiam ver a vinculação desse "fato" com os fatos das privatizações realizadas pelo governo tucano. O peso das idéias e, em particular, a valorização negativa das privatizações junto à opinião pública eram de tal ordem que fatos não puderam ser vistos. Aos tucanos não lhes ocorreu fazer uma defesa explícita das privatizações realizadas. O problema reside em que os tucanos fizeram no passado uma defesa envergonhada das privatizações, um mal menor, e jamais uma clara defesa delas, incorporando-as às suas idéias e seus princípios. Neste contexto, sobrou aos tucanos dizer que era tudo mentira, porém, no uso da mentira, os petistas foram particularmente habilidosos. Os fatos foram desaparecendo em proveito da versão petista, na verdade uma mentira que estava, porém, fortemente ancorada no imaginário vigente. E esse imaginário continua marcado por idéias tradicionais de esquerda, como se coubesse ao Estado resolver todos os problemas econômicos e sociais. O peso a ser carregado será que o governo, o PT e os "movimentos sociais" se sentirão legitimados a agir segundo o ideal de esquerda que o atual governo tinha, em vários pontos, enfraquecido, senão descartado. Um segundo mandato poderá se inaugurar sob o signo de fortalecimento dessas idéias, que passarão a conduzir setores governamentais e partidários. As idéias estatizantes e vagamente socialistas vieram a tomar o lugar da realidade. Qualquer contestação dessa "verdade" voltou a ser considerada uma desprezível posição "neoliberal". A fatura de tal posicionamento será paga nos próximos quatros anos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, outubro 30, 2006
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