A inacreditável história de
três ingleses presos por mais
de dois anos em Guantánamo
Isabela Boscov
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Com doze filmes lançados em menos de dez anos, o diretor inglês Michael Winterbottom vive com uma câmera na mão e várias idéias na cabeça – algumas delas sofríveis, como a que resultou no pseudo-erótico 9 Canções, e outras excelentes, como a de O Caminho para Guantánamo (The Road to Guantánamo, Inglaterra, 2006), desde sexta-feira em cartaz no Rio de Janeiro e com estréia prevista para breve em São Paulo. O filme parte de eventos reais: em setembro de 2001, quatro amigos ingleses de origem paquistanesa saíram da cidade de Tipton, na Inglaterra, rumo ao Paquistão, onde um deles iria se casar. Na companhia de um quinto rapaz, fizeram um pouco de turismo pela terra dos pais e, num repente, decidiram ver como iam as coisas no Afeganistão sob bombardeio americano. Ao chegarem à conclusão (óbvia) de que não tinham nada que fazer por ali, contrataram uma van para devolvê-los ao Paquistão – mas o motorista os levou para um centro de resistência dos talibãs, onde corria um enfrentamento. Um dos amigos sumiu e nunca mais foi visto. Outro ficou detido no próprio Afeganistão. Shafiq, Ruhel e Asif foram levados para a base americana de Guantánamo, em Cuba, como suspeitos de terrorismo. Após 28 meses, saíram tão sem explicações quanto haviam entrado.
Winterbottom está bem menos preocupado com o apuro das imagens em vídeo digital do que com o incrível desenrolar da história, e seu filme não pára de acontecer. O diretor mistura depoimentos dos rapazes a imagens de noticiários e à sua reencenação dos fatos. Habituado a filmagens improvisadas e em zonas de guerra (são seus também os semidocumentais Bem-Vindo a Sarajevo e Neste Mundo, sobre dois refugiados afegãos a caminho de Londres), ele não perde suas linhas mestras. A primeira é o espírito de aventura desconcertante com que os rapazes entraram e saíram dessa experiência. A segunda, claro, está nas exceções deploráveis que se fazem em nome da guerra ao terror. Shafiq, Ruhel e Asif enfrentaram todo tipo de pressão física e psicológica, intercalada com a rotina burra dos interrogatórios: repetidas vezes, os militares mostram aos meninos fotos e vídeos de reuniões da Al Qaeda e afirmam que eles podem ser vistos nelas; repetidas vezes, os rapazes negam e pedem que seus álibis – todos sólidos – sejam verificados. Em nenhum momento os interrogadores mostram o menor interesse em saber se têm em mãos as pessoas certas. Tudo que importa, ao que parece, é ter alguém em mãos.
Nenhum dos três rapazes recebeu acusação formal – e nenhum ganhou um pedido de desculpas, embora a Inteligência britânica e a Scotland Yard tenham confirmado que não há nada contra eles. Foram entregues à polícia inglesa, em 2004, com fuzis apontados para a cabeça, e convivem com insinuações de que sua história é mal contada. Ainda que seja. Se esse é o tipo de gente que está há anos incomunicável em Guantánamo, o presídio extrajudicial não é apenas uma nódoa na história americana. É também de uma ineficácia atroz.