O Globo |
27/10/2006 |
Ao contrário do que ocorreu no primeiro turno, quando Lula, sentindo-se onipotente, passou para o eleitorado uma imagem de arrogância que ajudou a levar a eleição para o segundo turno, nesta reta final da campanha eleitoral, com a "boca do jacaré" se abrindo cada vez mais com a ampliação de sua vantagem sobre o adversário Geraldo Alckmin, os petistas, a começar pelo próprio presidente, prestes a ser ungido pela vontade popular avassaladora, ficaram humildes e com a língua solta. "A boca do jacaré" é a imagem que os analistas usam para se referir às curvas das intenções de voto, que se abrem como agora, com uma distância entre 20 e 24 pontos a favor de Lula apontada por todos os institutos de pesquisa, ou se fecham, quando os resultados das pesquisas mostram uma disputa mais acirrada. A arrogância de Lula foi ressaltada pela decisão de não comparecer ao último debate da TV Globo, o que deu a impressão, a parte do eleitorado, de que ele não considerava necessário dar explicações, especialmente depois do surgimento do caso do dossiê contra os tucanos. Ou que não tinha o que explicar. Lula abriu o segundo turno com a humildade de quem reconheceu que precisava colocar os pés no chão e dar respostas ao eleitorado. A partir daí só acertou na estratégia política, mesmo quando ela é criticável, como o terrorismo eleitoral sobre as privatizações e o fim do Bolsa Família, que desmontou completamente a campanha de Alckmin antes mesmo que ele se recuperasse da inebriante sensação de ter ido para o segundo turno. O primeiro erro de Alckmin foi esse, o de considerar que chegou ao segundo turno por seus méritos, quando somente chegou lá pelos erros dos petistas, e pelos coadjuvantes que teve no primeiro turno. Sem Heloísa Helena e Cristovam Buarque, o candidato do PSDB ficou exposto na arena à sua própria mediocridade política. Os 41,5% que teve no primeiro turno conferiram-lhe uma grandeza política insuspeitada até então, mas estão prestes a se evaporar, se as pesquisas de intenção de voto estiverem corretas. Caso saia da eleição com menos votos do que teve no primeiro turno, Alckmin ficará do tamanho que supunham que tinha os que não o queriam como candidato contra Lula. A "onda vermelha" que parece estar se formando nestes últimos dias de campanha, e que pode fazer com que o PT e seus aliados elejam até 15 governadores de estado - há os otimistas que falam em até 20 -, pode levar Lula a ter uma vitória acachapante sobre Alckmin, tornando realidade os piores cenários desenhados pelos tucanos. Mas a humildade petista, que surge como novidade no cenário de uma eleição praticamente fechada, traz também novas munições para o candidato Geraldo Alckmin. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, acabou tendo que admitir o que todo mundo sabia e o governo negava: a carga tributária foi mesmo aumentada no último ano. Esse costumava ser um tema que afetava a maioria do eleitorado, mas tem sido abordado de maneira pouco didática pelo candidato Geraldo Alckmin. O candidato do PFL ao senado em São Paulo, Guilherme Afif Domingos, teve uma votação surpreendente e quase venceu o imbatível Eduardo Suplicy graças à campanha que encabeçou à frente da Associação Comercial de São Paulo, sobre o custo do imposto no dia-a-dia do cidadão. Também a ex-prefeita de São Paulo e agora coordenadora da campanha de Lula à reeleição, Marta Suplicy, escreveu artigo propondo a conciliação política após a eleição e oferecendo como prova de seriedade da proposta uma "refundação" do PT, mostrando ao eleitorado que o partido entendeu o recado das urnas e que precisa participar do governo de maneira mais agregadora em relação às demais forças políticas. Mas o máximo que chega perto das graves denúncias de corrupção que envolvem o partido e o governo é falar em "crise política". Por fim, o próprio presidente Lula, em seu último discurso de campanha, admitiu que cometeu erros durante seu governo, mais uma vez sem nomeá-los. Poderá dizer mais tarde que não se referia a erros no campo ético, mas administrativos. De qualquer modo, é um avanço para quem já disse sem constrangimento que seu adversário deveria agradecer por ter "salvado o país". Fingindo não se dar conta de que, na verdade, o personagem "Lulinha paz e amor" criado pelo publicitário Duda Mendonça salvou o país do outro Lula, líder sindical que nos últimos 20 anos fez campanha política na base da radicalização. Enquanto não convenceu o mercado internacional e os investidores, durante a campanha de 2002 e o primeiro ano de seu governo, de que o Lula eleito presidente não era mais o líder político radical, teve que enfrentar uma dura crise econômica promovida por ele mesmo. Reeleito, mais uma vez Lula se defronta com opções de governar. A parte da esquerda que refluiu para ele, depois de votar em Heloísa Helena e Cristovam Buarque, voltou a ter esperanças de que, afinal, o governo de esquerda com que sonham sairá deste segundo mandato. Por outro lado, teria que realizar reformas importantes mas impopulares, como a da Previdência. Vai ter que escolher entre um freio nos gastos correntes do governo, para voltar a equilibrar as contas públicas para um crescimento sustentado; ou o populismo, que pode render crescimento em curto prazo, mas quase sempre termina em inflação em alta e país desorganizado. Ou pode também optar por ter mais do mesmo, caso em que o país continuará crescendo de maneira medíocre. Pela escolha que fará do ministro da Fazenda do próximo governo e pelos ministérios que dará ao PMDB, um partido propenso à gastança, teremos uma pista de qual caminho seguirá. |
Entrevista:O Estado inteligente
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