O Brasil encerra esta eleição vivendo um retrocesso.
Não pelo fim, mas pelos meios. A eleição convalidou usos e costumes criminosos no processo eleitoral e desinformou o público sobre o estado geral do país. Se depender do que ouviu, o eleitor brasileiro não saberá os problemas que temos, nem os riscos que corremos.
A vitória do governo é previsível, e não é esse resultado que torna a eleição um retrocesso, mas, sim, os meios que foram utilizados para se chegar a esse fim. O uso da máquina pública, pelo abuso sistemático, banalizou o que deveria ser inaceitável.
A democracia brasileira tem que disciplinar a fronteira entre o interesse público e o partidário, sob pena de se enfraquecer.
No escândalo do mensalão, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, confessou o uso de caixa dois na campanha que levou o presidente Lula ao governo. O publicitário da campanha, Duda Mendonça, confirmou que recebeu dinheiro sem origem, sem comprovação, em depósito no exterior. A revelação chocou a maioria dos militantes e certos líderes pareciam sinceramente mortificados. Falou-se em refundação do partido. Esperavase que o PT fizesse uma campanha exemplar, na qual não houvesse indício de caixa dois. O escândalo do dossiê mostrou que tudo permaneceu igual.
Revelar a origem do dinheiro teria sido importante durante a campanha para mostrar que o país não aceita o cinismo e a reincidência no crime. Mas a Polícia Federal decepcionou, mostrou que até ela ficou prisioneira da rotina do uso da máquina pública. Existem duas formas de não se chegar a lugar algum numa investigação: não fazer nada ou tomar um excesso de providências. Qualquer bom investigador sabe — e a nossa PF tem muitos deles — que a falta de foco é a forma mais garantida de não se chegar a lugar algum.
Com tanto escândalo, era natural que parte do tempo fosse ocupada pelo debate sobre corrupção, mas até esse debate decepcionou. O governo sugere que tudo continue igual, a oposição não disse como mudaria a prática de caixa dois e propina.
O país cresce pouco há 20 anos, cresceu a metade que o mundo cresceu nos últimos 10. O candidato Lula gabou-se de crescer mais.
De fato, sua média é 0,2 ponto percentual acima da média do governo anterior.
Belo resultado! Na educação, o Brasil tem menos escolaridade que os países vizinhos, menores que nós; os jovens saem da escola cedo demais, aumentou a evasão de jovens de 15 a 17 anos. Oito milhões de brasileiros de 15 a 29 anos não estudam, não trabalham, não procuram trabalho.
Como disse o professor Claudio de Moura Castro nesta última semana, o Brasil ficou em último lugar no teste Pisa, a maioria dos estudantes chega à quarta série sem saber o básico: ler, escrever; a maior parte dos adultos brasileiros não são considerados alfabetizados funcionais. Apesar disso, o presidente gabou-se todo o tempo de ter aberto várias universidades. A propósito: todas apenas no papel.
No meio ambiente, o Brasil destruiu, durante o governo Lula, 84 mil km² da Floresta Amazônica. O deputado Fernando Gabeira notou que Lula disse que faria a transposição do Rio São Francisco, Alckmin cobrou de Lula por não fazer a transposição, e nenhum disse como recuperar o rio doente. Os dois falaram em fazer mais usinas nucleares, e nenhum dos dois passou, nem de longe, pelo tema que assusta o mundo: o aquecimento global. Gabeira lembrou que o presidente da Costa Rica, Oscar Arias, disse que seu programa de governo na área ambiental era uma contribuição à proteção do planeta. No Brasil, que tem tamanho para ajudar a salvar o planeta, o tema foi ignorado.
Os investimentos em infraestrutura estão muito mais do que deficientes há muito tempo. Na energia, esqueça o que o presidente Lula disse durante a campanha. Os investimentos novos foram mínimos; foram apenas completadas as hidrelétricas e termelétricas iniciadas no governo anterior, e a regulação desestimula o investimento privado. Na logística, o Brasil quadruplicou o volume de comércio externo em 15 anos e fez poucos investimentos em melhoria de portos e estradas.
O movimento de contêineres dobrou de 1999 a 2004. O maior porto do país, o de Santos, continua com problema de calado. O professor José Bento Amaral, da FGV Projetos, lembra que o Brasil exporta principalmente commodities e, por isso, o custo do transporte tem que cair; do contrário, em momentos de câmbio desfavorável, o exportador fica sem margem.
Ele diz que, em logística, há graves problemas regulatórios e de conflito entre as agências. Quanto às rodovias, certamente, é preciso ir muito além de tapar buracos.
Na saúde, o país vem colhendo melhoras nas últimas décadas, e isso se refletiu na forte queda da mortalidade infantil. Mesmo assim, há taxas inaceitáveis: no Brasil, a mortalidade infantil é de 22,5 por mil nascidos vivos, taxa alta ainda; e, no Nordeste, ela é de 33,9.
Em Alagoas, que tem o pior número, é de 47 por mil crianças nascidas vivas, segundo o Radar Social, do Ipea. As doenças infecciosas matam proporcionalmente menos hoje, mas o número absoluto aumentou e é absurdo que o Brasil ainda tenha números como os 45.877 óbitos em 2004 por causa de doenças infecciosas. O professor Edimilson Migowski, da UFRJ, diz que falta um programa de vacinação de adulto no Brasil, que poderia evitar muitas doenças, como hepatite B, por exemplo.
Nem sonho em esgotar os problemas do país. Há urgências, como a violência e a morte de jovens, que nem foram tocadas. Quis apenas salpicar alguns problemas que poderiam ter sido objeto de propostas tanto do governo, quando da oposição.
Ambos perderam a chance.
O governo por gastar todo o tempo em auto-elogio tosco e irreal. E a oposição por não ter posto o dedo nas feridas que o país carrega.
Entrevista:O Estado inteligente
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