Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 28, 2006

André Petry Tudo às escuras


"Alckmin não foi capaz de usar a campanha
para mostrar o essencial: que o projeto
tucano é diferente do projeto petista"

No dia 26 de setembro de 1960, aconteceu o célebre debate televisivo entre John Kennedy e Richard Nixon, que inaugurou a idéia de colocar candidatos em confronto em transmissões ao vivo. No dia seguinte, Clark Clifford, conselheiro de Kennedy, mandou-lhe uma carta curta e objetiva. Elogiava o desempenho de Kennedy e alinhava três sugestões para os debates seguintes. A primeira dizia assim: "Nixon está dizendo que vocês dois têm os mesmos objetivos, apenas diferem sobre os meios de alcançá-los, mas isso é falso". E encerrava, apelando: "Você não pode permitir que ele crie a ilusão de que vocês trabalham para o mesmo fim". Kennedy não permitiu. E ganhou.

Na campanha de Geraldo Alckmin, faltou alguém para lhe dar esse conselho singelo. As pesquisas indicam que, neste domingo, Alckmin perderá a eleição. Mas o problema não é perder uma eleição. Isso é próprio da democracia. Alguém sempre perde. O problema é perder a eleição sem cumprir seu papel de apresentar-se como uma alternativa concreta. Alckmin não foi capaz de usar sua campanha para mostrar o essencial: que o projeto tucano é diferente do projeto petista.

Não mostrou que seu partido defende a radicalização da experiência social-democrata no Brasil, mobilizando todo o seu empuxo modernizador e seu sentido libertário. Não defendeu sua crença no capitalismo avançado. Não conseguiu sequer defender a privatização. Em vez disso, resolveu fazer o campeonato da intensidade: era mais emprego, mais escola, mais crescimento. No auge dessa disputa, Alckmin disse que era mais esquerda do que Lula e mais pobre do que Lula (a contenda patrimonial, a se julgar pelas declarações de bens apresentadas pelos candidatos, dá 691.000 reais contra 839.000 reais, com vantagem para Lula, o menos pobre).

É possível que a exposição das idéias tucanas não levasse à vitória eleitoral, mas o inverso também não levou e, para piorar, ainda deixou tudo às escuras. Se mostrasse com clareza que o projeto tucano é diferente do projeto petista, a oposição poderia até não mudar o resultado das urnas, mas colheria dois dividendos: teria ajudado no seu compromisso pedagógico de esclarecer as massas, que é papel da oposição em qualquer democracia, e não teria se rendido à demagogia paralisante de que o país pode crescer sem cortar nada, pode crescer sem fazer sacrifícios, pode crescer sem suor.

O único campo em que Alckmin tentou cravar a diferença foi na ética. Diante da bandalheira petista, parecia galinha morta. Não era. Os tucanos ignoraram que, tendo escondido Eduardo Azeredo nas sombras do valerioduto, não podiam falar como guardiães da moralidade pública. No fundo, os tucanos subestimaram a capacidade da bandidagem petista de recuperar um discurso, qualquer discurso, e esqueceram de organizar o seu próprio. Por isso, gritaram mais contra o dossiê do que contra o mensalão – quando, pela natureza dos crimes, deveria ter sido justamente o contrário. O dossiê é uma delinqüência. O mensalão é uma patologia.

Repetindo: "Você não pode permitir que ele crie a ilusão de que vocês trabalham para o mesmo fim".

Deu no que deu.

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