Toda queda de desmatamento é bem-vinda, todo desmatamento é uma tragédia. Por isso, é preciso parcimônia em comemoração, desconfiança em relação aos números, sobriedade no anúncio. Esse é o tipo de notícia que não cai bem numa campanha eleitoral e não deve ser seguido da frase: “estamos ensinando como fazer as coisas corretas neste país”, dita pelo presidente Lula em mais um flagrante de confusão entre seu papel de presidente e sua ambição de candidato.
A ministra Marina Silva esteve recatada durante toda a campanha se comparada com o exibicionismo eleitoreiro de vários dos seus colegas. Ela tem conseguido unir pontas desgarradas do debate político brasileiro. Não precisava apressar o anúncio da queda do desmatamento para inscrevê-lo na interminável série “nunca antes na história deste país”.
A ministra disse que a queda do desmatamento significou que foram preservados um bilhão de árvores, a vida de quarenta milhões de aves e um milhão de primatas. Vendo o número pelo outro lado: como isso é o resultado da queda de 1/3 do desmatamento, pode-se dizer que dois bilhões de árvores foram derrubados e mortos 80 milhões de aves e dois milhões de primatas? — É a nova mentalidade de combater a ilegalidade — disse a ministra Marina Silva.
Não existe uma nova mentalidade que seja propriedade exclusiva do atual governo; sempre se quis combater a ilegalidade, e ela continua vencendo, infelizmente.
É preciso sobriedade com os números, pois eles têm vários pontos de dúvida.
Primeiro, o número de 13,1 mil km² é o melhor do governo Lula, mas não é bom o suficiente. Segundo, ele foi calculado com base num número menor de imagens de satélites. A repórter Cristina Amorim, de “O Estado de S. Paulo”, informa que foi com base em apenas 34 imagens captadas por satélites nas áreas de desmatamento, “enquanto são necessárias mais de 200 para cobrir toda a região”. Foi a menor amostragem dos últimos anos. Terceiro, já houve outras quedas após períodos de pico. Em 1995, o desmatamento anual chegou a 29.000km². Não por coincidência, um ano de forte crescimento econômico.
No ano seguinte, caiu para 18.000km² e, em 1 9 9 7 , d i m i n u i u p a r a 13.000km². Exatamente como agora: no ano de crescimento econômico de 2004, foi atingido o recorde de destruição do governo Lula: 26.000km². Depois, caiu para 19.000km² e, este ano, foi para 13.000km². No governo FH, depois da queda, veio nova alta. Espera-se que agora não aconteça isso. Quarto, como lembrou a repórter Andreia Fanzeres, do site “O Eco”, o primeiro mandato do governo Lula termina detentor do recorde de desmatamento. Foram 84.473km² destruídos em quatro anos, uma média de 21.118km² ao ano, nunca antes vista na história deste país.
O desafio será manter a queda quando o Brasil estiver crescendo, e a soja estiver valorizada. Com o câmbio baixo, a queda do preço da soja e o baixo crescimento, há incentivos naturais à redução da atividade de destruição da floresta para agricultura. Tudo tem que ser ponderado, não para desmerecer a conquista, mas para vê-la de forma realista e saber como preservar os acertos.
Ontem recebi vários emails sobre a coluna a respeito da Lei de Concessões da Floresta, que transfere partes da Floresta Amazônica para o setor privado, em regime de concessão, por 30 anos renováveis. No idioma do PT, a transferência de qualquer bem público para concessionários privados é privatização; sinônimo de algo maligno.
Mas, no caso da lei que aprovaram para a Amazônia — que pode ser, repito, um caminho para evitar a destruição predatória e caótica da floresta —, eles não gostam da palavra. O diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, mandou um e-mail dizendo que eu pus lenha na fogueira do debate eleitoral sobre o tema. Respondi que uma das funções dos jornalistas é mostrar incoerências e contradições e que estava exercendo esse meu papel ao mostrar que o PT, ao tratar de forma politiqueira o tema da privatização, revogara o avanço racional que o debate havia tomado no Brasil.
Tasso Azevedo se empenhou pela aprovação da lei, exercendo, com habilidade, o trabalho democrático de convencimento, e agora presidirá a agência independente que nasceu da lei. A visão dele: “Não entendo como se faz essa confusão entre concessão e privatização. São coisas absolutamente distintas. A concessão é instrumento de gestão muitas vezes utilizado justamente para ser alternativa à privatização.” Uma questão semântica, então.
O senador Arthur Virgílio me mandou também um email.
Eu o citei na coluna por ter votado a favor. Ele disse que votou a favor depois de um “acordo expresso” feito com o governo de serem aceitas as emendas propostas pelo senador Agripino Maia. Uma obrigava a prévia aprovação do Congresso para a concessão de áreas superiores a 2.500 hectares, outra garantia recursos para o Ibama, e a outra exigia que os nomes do conselho diretor do Serviço Florestal fossem aprovados pelo Senado. Apesar do acordo, diz o senador, o presidente, ao sancionar a lei, vetou os artigos. “Não me conformei”, disse, informando que apresentou um projeto de lei restabelecendo o que foi vetado.
A lei está na fase de regulamentação, e seria bom que vários cuidados fossem tomados, dada a importância da Amazônia. Para nós e para o mundo.