de falta de ética" |
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Por Rudolfo Lago |
Foi no meio da investigação sobre o mensalão que a ficha caiu para o senador Jefferson Péres (PDT-AM). À frente do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e de tudo o que se apurava sobre o escândalo, Péres concluiu citando um fado dos compositores portugueses Carvalho e Nazaré, que era cantado por Amália Rodrigues: “Tudo isso existe/ Tudo isso é triste/ Tudo isso é fado.” Depois do episódio do mensalão, Péres assistiu estourar o escândalo dos sanguessugas, o uso abusivo de informações sigilosas para prejudicar um jardineiro, até tudo culminar com a articulação para a compra de um dossiê com informações comprometedoras contra os adversários. Tudo foi existindo, cada vez mais triste, cada vez mais fado. Jefferson Péres cansou. Em 2010, quando se concluirá seu mandato de senador, ele deixará a política. “Aos 74 anos, não creio que eu veja alguma mudança que torne mais ético o jogo da política ainda durante a minha vida”, afirma desiludido o professor aposentado de direito econômico da Universidade Federal do Amazonas. Para o senador, que concorreu à eleição presidencial como vice na chapa do senador Cristovam Buarque, a antiga divisão entre esquerda e direita não existe mais. A disputa hoje, na sua avaliação, é entre os políticos honestos – ou republicanos, como chama – e os fisiológicos – ou patrimonialistas. E, infelizmente, é o segundo grupo que mais prevalece a cada dia. Para Péres, só há uma saída: a união dos políticos republicanos num grande entendimento – ou, como prefere chamar, concertação – para, em torno de uma agenda comum, tirar o País da crise. É a essa última missão que pretende se dedicar agora o senador.
ISTOÉ – O que não o motiva mais na vida política?
Jefferson Péres – O que eu vi nos 12 anos em que fui senador pelo Amazonas é que, no Brasil, os interesses que prevalecem sempre na política são os menos éticos e menos lícitos. Eu sei que talvez em nenhum lugar do mundo a política seja uma atividade de ética exemplar. Sei que não é assim. Mas eu acho que no Brasil há um excesso de falta de ética. O político brasileiro, de modo geral, está muito dominado pelo ranço do velho patrimonialismo. Os interesses públicos são confundidos com os privados de uma maneira vergonhosa.
ISTOÉ – Não há saída para isso? Nós estamos condenados a viver
sempre essa situação?
Péres – Não, eu quero continuar sendo um otimista. Talvez se eu tivesse 20 anos a menos, poderia ainda buscar lutar contra isso. Mas eu estou com 74 anos. Continuar gastando tanto esforço para ver as coisas se repetirem sempre da mesma velha forma é desestimulante. Não creio que eu veja uma mudança que torne mais ético o jogo da política ainda durante a minha vida.
ISTOÉ – Por que parece tão difícil conduzir-se na política com ética e honestidade?
Péres – Me chocou a aceitação da maioria da população a essa situação de falta de ética. Que, a meu ver, deveria ser intolerável. E, ao contrário disso, se prenuncia uma vitória tranqüila do Lula, que por pouco não se deu já no primeiro turno. A aceitação disso me choca. Como se a maioria do eleitorado dissesse que isso não tem importância. É como se dissessem que consideram que é tudo igual. Que é o sujo falando do mal lavado. Então, isso dificulta muito a busca de um novo padrão político. E os políticos sérios – e há muitos em todos os partidos – ficam desestimulados.
ISTOÉ – O que levou a prevalecer esse tipo de comportamento?
Péres – Essa prática já vem de longe. Veio à tona de uma forma escandalosa agora, mas vem de longe. Principalmente o fisiologismo no trato do Executivo com o Legislativo. Eu votei no Lula no segundo turno. É interessante. Eu me surpreendi positiva e negativamente com o governo Lula. Quando votei no Lula, votei temeroso de que fizesse bobagens na economia e desestabilizasse o País. Mas tinha a convicção, a certeza absoluta de que teria uma conduta ética muito boa. Aconteceu o oposto. A política macroeconômica foi mantida e o governo se desencaminhou no campo ético.
ISTOÉ – Ele não terá talvez apenas jogado o único jogo possível?
Péres – Lula foi eleito com uma enorme expectativa. Com uma onda de popularidade que comoveu na posse. Um verdadeiro arrebatamento popular. Eu esperava muito que o Lula começasse a mudar essa relação. Que começasse a compor o governo sem grandes concessões. Ele tinha tanta autoridade àquela altura que ele teria acuado os fisiológicos, a banda podre do Congresso. Ele tinha condição moral para fazer. Ele teria se imposto. Teria mudado essa relação. Ele não quis ou não soube fazer isso.
ISTOÉ – Mas o sr. está no Senado já há 12 anos. Há quem sustente que
não seria possível fazer de outra forma.
Péres – Talvez nenhum governo antes pudesse mesmo fazer de outra forma. Mas Lula podia. Devido às condições excepcionais com que recebeu o governo. Era um líder popular de um partido tido como ético. Ele não surpreenderia a classe política se fizesse de outro jeito. Era, ao contrário, até o que se esperava.
ISTOÉ – Lula piorou o formato desse jogo entre o Executivo e o Legislativo?
Péres – É preciso que se diga a verdade. E ela é a seguinte: no caso do relacionamento do governo com o Congresso, não vi diferença alguma entre o que fez Lula e o que fazia Fernando Henrique Cardoso. Vi, inclusive, a repetição dos mesmos personagens, antes na base governista de Fernando Henrique e depois bandeados para a base governista do Lula. O relacionamento foi igual. Troca de cargos. Verbas. Emendas ao Orçamento. Fernando Henrique não era melhor que Lula no relacionamento com o Congresso. Houve agora mensalão. Mas é preciso lembrar o escândalo da compra de votos da reeleição. Fernando Henrique evitou CPIs e investigações. Lula também tentou. Precisou a Justiça para que se instalasse a CPI dos Bingos.