Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 03, 2006

AUGUSTO NUNES As cabeceiras do rio de lama

Coisas da Política
03/10/2006

Augusto Nunes
augusto@jb.com.br


As cabeceiras do rio de lama

Depois de ter festejado, com a precipitação dos arrogantes, a reeleição do chefe já no primeiro turno, o ministro Tarso Genro tentou camuflar o desconcerto causado pelo soco das urnas. "Estamos muito felizes, a votação do presidente foi espetacular", dissimulou no fim da noite de domingo. "Estávamos preparados para vencer agora ou no segundo turno".

Quem explica a expulsão da própria filha pela caciquia do PT tem explicação para tudo. Em momentos especialmente aflitivos, contudo, o discurso não rima com o rosto. Tarso achou que sublinhava as frases com sorrisos. Eram esgares.

Naquele instante, trancado no Palácio da Alvorada, um Lula imerso em frustração insultava companheiros aloprados e adversários golpistas. No portão do palácio, o ministro jurava que o pastor e seu rebanho estavam faceiros como pinto no lixo com o advento da rodada decisiva. "Vamos discutir o futuro do país, programas de governo", fingiu animar-se. "Poderemos debater propostas para o Brasil".

Não faltará tempo nem espaço para tanto. Até porque, agora, Lula não poderá escapar de debates na TV, nem falar à imprensa apenas quando lhe der na telha - e sob a proteção de cláusulas restritivas ou acordos espertos. Mas outras questões relevantes, queira ou não o conselheiro gaúcho, vão assombrar a segunda fase da disputa eleitoral. Por exemplo, o escândalo do dossiê forjado pela família Vedoin.

Conforme se constatou, as imagens da montanha de dinheiro erguida por pilantras do PT prejudicaram a performance de Lula. "A oposição passou 15 dias gritando: 'Cadê as fotos?'", choraminga o presidente-candidato. Pois o clímax ainda não chegou: momentos muito piores virão com a resposta às perguntas gritadas pelo Brasil decente. De onde veio o dinheiro? Quem providenciou a bolada?

Impossível empurrar para depois do turno final, como sonham os criminosos, o arrombamento do enigma de araque. A polícia já tem a resposta. O governo a esconde. Quatro semanas de despiste, diversionismo e desconversa são demais até para um criminalista inventivo como Márcio Thomaz Bastos, o advogado dos delinqüentes federais.

A banda sadia da Polícia Federal se aproxima, enfim, em boa velocidade, das cabeceiras do rio de lama. No percurso, não custa rastrear-lhe as margens para aquietar uma alma presidencial excitada por devaneios sobre o conteúdo do dossiê. Petistas com mais de cinco neurônios sabem que caíram num conto-do-vigário. Não há nada no papelório contra Geraldo Alckmin e José Serra, ambos absolvidos mais de uma vez pelos chefes da ladroagem com sirene. Permanecem acusações ao ex-ministro Barjas Negri? Apure-se.

Mas que se apure com vigor e presteza sobretudo a procedência do dinheiro sujo. Lula dirá que é mais uma trama da elite conservadora. Tarso Genro qualificará qualquer revelação de "ilegal" - ele aplicou o adjetivo até mesmo à divulgação das imagens da pilha de cédulas. Se fosse ministro em agosto de 1954, o imaginoso gaúcho não teria restrições a Gregório Fortunato. Consideraria criminosa a publicação de fotos de Carlos Lacerda ferido ou do cadáver do major Rubens Vaz.

A bandalheira do dossiê envolve o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, outros Altos Companheiros e trapalhões de distintos sotaques, como o churrasqueiro catarinense e bandidos de Mato Grosso. Tarso repete que foi uma "história paulista", urdida por inimigos do povo. Se o candidato declamar a versão num debate na TV, a cadeira ocupada fará mais estragos na campanha de Lula que a cadeira vazia.

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