Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 17, 2006

As matrioshkas do lulismo

As matrioshkas do lulismo

Ao acrescentar a outras a baixaria do terrorismo, atribuindo ao tucano Geraldo Alckmin a intenção de cortar gastos sociais - a começar do Bolsa-Família - e de privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios, se eleito, o presidente Lula conseguiu inequivocamente encurralar o adversário. Tanto que, em busca do apoio do PDT, Alckmin se comprometeu em carta ao partido a manter essas empresas “sob controle estatal”. Assim como praticamente não passa dia sem que defenda a entronização em lei do programa de transferência de renda que constitui o maior trunfo lulista. De fato, a análise dos dados do primeiro turno demonstra para além de qualquer dúvida a estreita correlação entre benefícios distribuídos e votos recebidos, sobretudo nas regiões onde o número de eleitores cujas famílias recebem a ajuda federal é predominante.

A jogada malandra do candidato petista funciona porque a esmagadora maioria dos que o querem no Planalto por mais quatro anos tem escassa capacidade de discernir seja o problema-chave das contas públicas - a inviabilidade da política fiscal do governo, que se mantém à base de doses cavalares de impostos -, seja os malefícios do estatismo na economia, comprovados pelo êxito total das empresas privatizadas. No entanto, uma coisa são as limitações culturais do eleitorado, mais da metade do qual ou não completou, ou não foi além do 1º grau. Outra coisa, a capitulação da candidatura oposicionista diante do discurso do medo: falta aos tucanos a ousadia de ir além dos desmentidos sobre os alegados riscos a que estariam expostas, na gestão a que aspiram, as jóias da coroa estatal brasileira. Prestariam eles um serviço ao País se não endossassem implicitamente a patranha lulista sobre as excelsas virtudes da economia estatizada e o caráter invariavelmente perverso da desestatização.

Poderiam dizer, olho no olho do eleitor, que novas privatizações não estão na agenda de um hipotético governo da coalizão PSDB-PFL - mas nem por isso privatizar é anátema. Ao argumento ad terrorem de Lula, de que não teria privatizado o sistema Telebrás e a Vale do Rio Doce, nada mais fácil do que contrapor os números do êxito estrondoso da venda dessas estatais, do qual são prova viva, no primeiro caso, dezenas de milhões de donos de celulares e de usuários de telefonia fixa e, no segundo, milhões de acionistas. Com isso, repondo-se a questão nos devidos termos, estaria aplainado o caminho para desmascarar as mentiras presidenciais. Mentiras, sim, no plural, cada uma contendo outra, à maneira das matrioshkas, as bonequinhas russas que guardam dentro de si réplicas menores. A acusação de que Alckmin retomaria as privatizações iniciadas sob Itamar Franco e amplificadas sob Fernando Henrique é a mentira primeira, mas não a mais importante.

Esta se revela no choque entre a anacrônica retórica do lulismo - que coloca em cena, diante de uma platéia bestificada, o maniqueísmo ideológico de que, para o povo, o estatal é bom e o privado é mau - e as suas próprias políticas. Como lembrou ontem neste jornal o articulista Carlos Alberto Sardenberg, foi o governo Lula, e nenhum outro, que concebeu e tratou de viabilizar - negociando com a oposição, vem a propósito acrescentar - o esquema das Parcerias Público-Privadas (PPPs), “uma espécie de privatização disfarçada ou envergonhada”. O sistema oferece incentivos para atrair os investidores ao setor estatal por excelência, o de serviços na área de infra-estrutura, em marcha batida para a desmodernização por falta de investimentos (pelo efeito combinado da baixa qualidade do gasto público com a debilitação estrutural da capacidade investidora do Estado nacional).

Além de camuflar despudoradamente o seu lado privatista, o presidente ainda aplica um conto-do-vigário nos seus muitos eleitores desinformados, induzindo-os a crer não só no estatismo como fonte opulenta de progresso econômico e social, mas também na rima de privatização com corrupção. Eis uma formulação fraudulenta, apenas coerente, de resto, com a mendacidade da campanha da reeleição. Bem pensadas as coisas, esperar o quê de quem tantas já produziu, no gênero? O que desconsola é a ausência de reação do outro lado. Os tucanos perdem a ocasião de falar da corrupção e politicagem tradicionalmente disseminadas no universo das estatais, e de desafiar o lulismo a responder por que, no poder, não se pôs a investigar as privatizações de Fernando Henrique.

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