Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

VEJA Livros:Desemprego de Colarinho-Branco


O mundo cinzento
dos sem-crachá

Uma investigação jornalística
sobre os desempregados de
classe média nos Estados Unidos


Jerônimo Teixeira

Andrew Shurtleff/AP
Barbara Ehrenreich: bonecos de Elvis e gurus que não têm dinheiro nem para pagar uma secretária

EXCLUSIVO ON-LINE
Trecho do livro

Para escrever Miséria à Americana, um revelador retrato da vida das classes baixas nos Estados Unidos, a jornalista Barbara Ehrenreich trabalhou como garçonete, faxineira e funcionária da rede de hipermercados Wal-Mart. Em Desemprego de Colarinho-Branco (tradução de Ana Maria Mandim; Record; 252 páginas; 39,90 reais), ela buscou um universo mais próximo ao seu: o dos desempregados de classe média. Imaginou que o esforço de procurar uma vaga nos escalões médios de uma grande corporação seria menos desgastante do que o trabalho braçal mal remunerado a que se submeteu para compor o livro anterior. Engano. "Foi uma experiência ainda mais desesperadora", disse ela em entrevista a VEJA. "No mundo dos trabalhadores manuais, as coisas são mais objetivas. Ou existe trabalho, ou não. Na classe média, o desemprego é atribuído a problemas de personalidade e de atitude, o que é uma fonte de frustrações imensas."

O projeto original da autora era "infiltrar-se" no mundo corporativo, batalhando por um emprego em uma grande empresa. Ela montou um disfarce elaborado para chegar lá. Retomou o nome de solteira, Barbara Alexander, e remodelou seu currículo para se anunciar como uma profissional de relações públicas. Depois de procurar por quase um ano e gastar perto de 6.000 dólares com viagens, treinamentos e cursos, ainda não havia obtido uma colocação. Nesse sentido, Miséria à Americana, com sua perspectiva intestina da pobreza, é mais interessante como reportagem e mais eficiente como crítica social. No caminho de seu fracasso, além disso, Barbara desvendou uma realidade melancólica: a indústria do desemprego.

Em 2003, quando Barbara começou a reportagem, os "colarinhos-brancos" – profissionais de cargos gerenciais ou técnicos com educação universitária – representavam cerca de 20% do desemprego americano, ou 1,6 milhão de pessoas. Para atender esses profissionais "em transição" – o eufemismo preferido no meio –, surgiram os mais variados serviços, quase todos de utilidade nula: instrutores de carreira, consultores de imagem, "acampamentos executivos" (veja quadro). A ênfase desses cursos está não na qualificação ou na competência, mas na personalidade: uma imagem positiva e otimista bastaria para conseguir o sonhado emprego. "Vende-se a idéia meio mística de que a nossa atitude é que controla a situação", diz Barbara. Os instrutores que a jornalista encontrou utilizavam duvidosos testes de personalidade para orientar os clientes. Um deles recorria a bonecos de O Mágico de Oz e de Elvis Presley em suas sessões.

Nos primeiros capítulos, o leitor ri dessas situações ridículas (que a autora descreve com o devido sarcasmo). Aos poucos, porém, as besteiras ganham um contorno quase trágico. Por que profissionais de tecnologia da informação, com todo o seu conhecimento de matemática, confiam nas fórmulas fajutas com que os gurus dão verniz "científico" às suas baboseiras motivacionais? Nessa credulidade, o desempregado revela uma vulnerabilidade psicológica não muito diversa daquela que leva as vítimas de doenças graves a testar terapias supostamente milagrosas. Até mesmo a "profissão" de instrutor de carreira é muitas vezes um precário subemprego. Barbara ofereceu seus serviços de relações-públicas a um desses instrutores – só para descobrir que ele alugava um escritório minúsculo no 2º andar de um restaurante chinês e não podia nem contratar uma secretária.

Desemprego de Colarinho-Branco sugere que essa exigência por um otimismo patológico é disseminada não apenas entre os profissionais "em transição", mas também no interior do mundo corporativo. O uso de critérios mais objetivos, como o incentivo à inquietude criativa das indústrias do Vale do Silício, não passaria de um fenômeno minoritário. É uma dedução arriscada: Barbara, afinal, só conheceu as grandes corporações americanas pelo lado dos que não conseguem entrar ou retornar a elas. Mas seu registro das estranhas modas a que esse universo está sujeito é cristalino. No Brasil, por exemplo, a obsessão pelo MBA ganhou dimensões quase fetichistas – e muitos esquecem que, se todo mundo tem um MBA, ele deixa de ser uma vantagem competitiva (sem falar no fato de que nem todo curso do gênero ensina o que promete ou substitui talento e iniciativa). Quando embarcou em seu projeto, Barbara trazia na bagagem todas as velhas críticas da esquerda às grandes corporações: elas exploram a mão-de-obra, poluem o ambiente, vendem produtos insuficientemente testados etc. Em sua frustrada busca por emprego, ela acrescentou uma nova acusação a esse repertório – uma transgressão à própria lógica do capitalismo. O candidato ideal a um emprego corporativo é o tipo simpático e conformista, que não quer mudar o modo como a empresa trabalha. Trata-se de uma estratégia conservadora, que já não cabe no capitalismo global. "Não é assim que os Estados Unidos vão ter sucesso na competição com a Índia ou a China", diz Barbara.

IMERSÃO JORNALÍSTICA

Outros repórteres que se enfronharam no
mundo sobre o qual desejavam escrever

A norueguesa Asne Seierstad viveu três meses com uma família afegã, em 2001. Seu relato da experiência, O Livreiro de Cabul, é uma crônica incisiva da tirania doméstica que os homens exercem nas sociedades tradicionais muçulmanas

O americano Bill Buford conviveu quatro anos com hooligans, os violentos torcedores de futebol ingleses, para compor "Entre os vândalos". Com um pé na sociologia, a reportagem desvenda o racismo e a xenofobia das massas torcedoras

O alemão Gunter Wallraff disfarçou-se de turco, nos anos 80, para viver a experiência dos imigrantes na Alemanha. No livro Cabeça de Turco, mostrou a humilhante condição de párias dos turcos na sociedade alemã

A INDÚSTRIA DO DESEMPREGO

Alguns serviços que a jornalista Barbara Ehrenreich utilizou em sua reportagem sobre a vida dos profissionais "em transição" nos Estados Unidos

Instrutor de carreira
O QUE É: um profissional especializado em orientar e motivar o desempregado. Para isso, usa teorias "psicológicas" em que a personalidade das pessoas é classificada a partir de personagens de O Mágico de Oz
UTILIDADE: nula
CUSTO: 60 dólares por uma sessão de uma hora, com direito a teste psicológico

Instrutor de currículo
O QUE É: ajuda o candidato a um emprego a elaborar seu currículo. Dá dicas de redação – e ensina pequenas malandragens para inflar qualificações profissionais
UTILIDADE: realmente melhora a apresentação do currículo
CUSTO: 200 dólares por uma sessão de uma hora, por telefone

Acampamento executivo
O QUE É: apesar do nome, tem lugar em um hotel. É um encontro de executivos desempregados, com palestras de motivação, fórmulas de auto-ajuda e uma certa dose de choradeira
UTILIDADE: nula
CUSTO: 180 dólares

Consultoria de imagem
O QUE É: um consultor de moda ensina o candidato a emprego a se vestir (e a se maquiar, no caso das mulheres) de acordo com os padrões "corporativos"
UTILIDADE: vestir-se como eles, os empregados
CUSTO: 250 dólares pela sessão, mais 55 dólares em

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