Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

VEJA Cinema


A ocasião faz o cristão

O lançamento do estúdio FoxFaith
não deixa dúvida: a platéia religiosa
é hoje a mais cobiçada pelos
vendilhões de Hollywood


Isabela Boscov

O australiano Rupert Murdoch, dono do império global de comunicações News Corporation, é conhecido como um empresário de métodos agressivos e um conservador. Não se sabia que pudesse ser também um homem de fé. Uma decisão anunciada por Murdoch há duas semanas, porém, revelou que, pelo menos quando o assunto é faturamento, sua convicção é inabalável. A bandeira News Corporation, que na área de cinema já abriga a 20th Century Fox, a Fox Classics (voltada para o circuito alternativo) e a Fox Home Entertainment, acaba de ganhar mais um filhote: o estúdio FoxFaith, ou "FoxFé", que todos os anos deverá lançar cerca de uma dúzia de filmes à prova de qualquer objeção por parte do crescente público religioso americano. Essa é uma porção da platéia que costuma rejeitar a produção de Hollywood por causa de seu uso de violência, drogas, sexo, nudez, homossexualidade e outros comportamentos que ela julga ofensivos. Para os mais ortodoxos, nem a marca Disney é mais garantia de diversão familiar "segura". Por suas características, sempre se acreditou também que esses espectadores não tivessem grande contribuição a dar à bilheteria. Uma iniciativa da própria Fox mostrou, há dois anos, quanto essa percepção era equivocada. A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson e comercializado pelo estúdio, tornou-se um sucesso colossal exatamente pelo eco que encontrou junto a esses fiéis. Em várias cidades americanas (e em algumas brasileiras), formaram-se caravanas de católicos e, principalmente, de evangélicos para assistir à encenação do martírio de Jesus. Saldo: mais de 600 milhões de dólares na bilheteria e 15 milhões de unidades do DVD vendidas.

O mercado de entretenimento cristão já movimenta 4,3 bilhões de dólares a cada ano entre os americanos. Trata-se de mais de um terço da bilheteria de Hollywood no mesmo período. E, se as projeções estiverem corretas, há espaço aí para lucros bem mais vultosos: o consenso é que essa parcela do público é mal atendida e carente de filmes e programas de televisão que se ajustem às suas expectativas. É também um segmento que vem enriquecendo e ganhando influência política, o que o torna irresistível. Desde o inesperado desempenho de A Paixão de Cristo, portanto, a indústria cinematográfica vem imaginando formas de explorar o potencial latente desse filão. As Crônicas de Nárnia, baseado nos livros infantis do católico fervoroso C.S. Lewis, foi outra aposta bem-sucedida, que juntou a Disney à empresa Walden Media. Propriedade do bilionário Philip F. Anschutz, um republicano e cristão devoto que não dá entrevistas e não divulga sua agenda política, a Walden Media vem se dedicando a localizar e produzir roteiros de conteúdo familiar e educativo. Outras companhias semelhantes surgiram. A recente Good News Holdings, cria de um executivo de Hollywood que reencontrou sua fé, tem um projeto ambicioso pela frente: deve rodar, no ano que vem, uma adaptação de Christ the Lord: Out of Egypt, da escritora Anne Rice. Mais conhecida pelas suas sagas protagonizadas por bruxas e mortos-vivos, como Entrevista com o Vampiro, que lhe renderam 100 milhões de livros vendidos em todo o mundo, Anne repentinamente também se redescobriu cristã. Abandonou os temas profanos e se impôs a missão de continuar escrevendo sobre Jesus. Coincidência ou não, a guinada ocorreu num momento em que sua popularidade declinava.

Nenhuma dessas iniciativas, porém, é tão organizada quanto a FoxFaith de Rupert Murdoch. Seu objetivo é, primeiro, tornar-se uma espécie de selo de qualidade moral, capaz de assegurar mesmo ao espectador cristão mais conservador que aquele será um programa adequado à sua família. Na última sexta-feira, previa-se o lançamento do primeiro título do estúdio nos cinemas, ainda em circuito limitado: Love's Abiding Joy. Baseado na série de romances da escritora Janette Oke, o filme trata de um casal que, na década de 1880, ruma para o Oeste e recorre à fé para suportar as adversidades da vida na fronteira americana. Segundo os diretores do FoxFaith, essa deverá ser a linha mestra de sua produção – filmes de conteúdo apenas implicitamente religioso, e não dedicados ao proselitismo. Mas é possível que essa seja apenas uma postura inicial. Se o faturamento corresponder ao imaginado, não é improvável que Murdoch, cujos canais de televisão acolhem séries apimentadas como Nip/Tuck ou desenhos irreverentes como Os Simpsons, se torne, por intermédio da FoxFaith, o próximo grande evangelista.

Fotos divulgação

Arquivo do blog