Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

A sabedoria em família

Por que tantos premiados são parentes uns
dos outros? Os genes explicam, mas não tudo


Duda Teixeira

Dino Vournas/Reuters
Roger Kornberg e o pai, Arthur: o filho foi criado entre cientistas

Dos vencedores do Prêmio Nobel nas categorias medicina, química e física anunciados na semana passada, um chama atenção não apenas pela importância do trabalho, mas pelo sobrenome. O bioquímico americano Roger Kornberg, ganhador do Nobel de Química, é filho de Arthur Kornberg, um dos vencedores de 1959 em medicina. A contribuição do pai foi descobrir como a informação genética é transferida de uma molécula de DNA para outra. Já o filho conseguiu fotografar a formação de proteínas dentro das células, um feito que auxilia outros pesquisadores na tentativa de controlar o crescimento de células-tronco. Os Kornberg são a décima família a ter mais de um membro entre os vencedores do Nobel. A façanha ressuscita um antigo debate sobre se genialidade é ou não hereditária. Entre todos os clãs de cientistas, a história dos Curie é a que mais alimenta essa discussão. Quatro familiares conquistaram a maior honraria acadêmica. O primeiro prêmio veio em 1903, quando a cientista franco-polonesa Marie Curie e o marido, Pierre, ganharam o Nobel pelos estudos com radioatividade. Em 1911, após a morte de Pierre, Marie levou mais um pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio. Em 1935, foi a vez de a filha Irène Curie e o marido, Frédéric Joliot, dividirem o prêmio por terem induzido a radioatividade artificialmente.

A inteligência tem de fato um componente hereditário. O banco de dados do Centro Nacional de Informação em Biotecnologia, nos Estados Unidos, possui catalogados 340 genes ligados à inteligência. Receber dos pais um desses genes pode levar o filho a ter, por exemplo, uma melhor orientação espacial ou um quociente de inteligência 4 pontos acima da média mundial. Em que medida a herança genética determina o sucesso de uma pessoa, no entanto, permanece uma controvérsia. Nos anos 70, o milionário americano Robert Graham criou um banco de sêmen de ganhadores de Prêmio Nobel, com a finalidade de gerar novos gênios. Como encontrou poucos voluntários – menos de cinco –, Graham incluiu também amostras de professores e estudantes universitários com altas notas nos testes de QI. Dos mais de 240 bebês nascidos desse material, quinze foram localizados décadas depois. Nenhum deles se tornou um gênio ou teve uma carreira brilhante. "O ambiente em que a criança foi criada tem a mesma influência em seu desenvolvimento intelectual quanto os fatores genéticos", diz a médica geneticista Iscia Lopes Cendes, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Para ser um bom cientista, ajuda muito ter crescido em um lar em que o estudo é valorizado e o acesso ao conhecimento seja fácil."

Kornberg desde cedo viveu cercado por cientistas. Seu pai, Arthur, sua mãe, Sylvy, e seu irmão, Thomas, são bioquímicos. "A ciência era parte das nossas conversas no jantar e uma atividade comum nos fins de semana", disse Thomas Kornberg, professor na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. A francesa Irène Curie também foi favorecida pela educação. Ela freqüentou uma cooperativa de ensino particular criada por sua mãe, na qual professores universitários davam aulas de física experimental, matemática e química a um grupo de apenas dez crianças. Já o dinamarquês Aage Bohr, prêmio de Física em 1975, ajudava o pai, Niels Bohr, vencedor em 1922, a escrever correspondências e artigos científicos quando jovem. A possibilidade de fazer pesquisas com a tutela paterna permitiu ao inglês Lawrence Bragg ser o mais jovem vencedor da história do Nobel. Em 1915, aos 25 anos, ele dividiu o prêmio de Física com seu pai, William. Os dois receberam a honraria pela invenção da técnica de cristalografia – usada por Roger Kornberg em sua pesquisa vencedora.

Evidentemente, o sobrenome famoso pode dar considerável empurrão na carreira universitária. "Se o filho for inteligente, terá mais chance de conseguir uma vaga em um laboratório de ponta ou um financiamento para pesquisa do que outros colegas do mesmo nível", disse a VEJA o americano Robert Marc Friedman, professor de história da ciência na Universidade de Oslo, na Noruega. Com uma única exceção, a dos irmãos holandeses Jan Tinbergen, Nobel de Economia em 1969, e Nikolaas Tinbergen, Nobel de Medicina em 1973, todos os prêmios científicos em família se deram no mesmo campo de atuação ou em áreas muito parecidas, o que indica alguma ajuda entre as gerações. Quando era adolescente, Roger Kornberg trabalhou no laboratório de Paul Berg, um grande amigo de seu pai e ganhador do Nobel de Química em 1980. Graças a esses incentivos, que não lhe tiram o mérito, Kornberg receberá em dezembro, em Estocolmo, na Suécia, uma medalha, um diploma e um documento confirmando o depósito em sua conta do equivalente a 3 milhões de reais, o valor do prêmio dado pela Fundação Nobel.

OUTROS PREMIADOS DA SEMANA PASSADA

FÍSICA – John Mather, da Nasa, e George Smoot, da Universidade da Califórnia

Larry Downing/Reuters
Kimberly White/Reuters

Conseguiram captar, com um satélite, radiações do início do universo, reforçando a teoria do Big Bang

MEDICINA – Craig Mello, da Universidade de Massachusetts, e Andrew Fire, da Universidade Stanford

Reuters
Kimberly White/Reuters

Desenvolveram técnica com potencial para interromper a formação de uma proteína do HIV, o que abre a perspectiva de cura da aids

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