A polarização da campanha eleitoral entre o presidente Lula e o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, não permitiu, ao contrário de eleições anteriores, que houvesse disputa pelo segundo lugar. Em 1989, Lula foi para o segundo turno contra Collor por uma diferença ínfima sobre Brizola. Em 2002, o candidato tucano José Serra teve que superar Roseana Sarney, Ciro Gomes e Garotinho para se firmar como o adversário de Lula no segundo turno. Desta vez, nunca houve chance de Heloísa Helena, do PSOL, ou Cristovam Buarque, do PDT, chegarem ao segundo turno, embora representassem uma parcela ponderável de eleitores, especialmente a senadora alagoana, que chegou a ter 12% das intenções de voto e em determinado momento parecesse que poderia atingir a casa dos 15%.
Devido a essa polarização precoce da disputa, Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, acha que esta eleição só teve um turno, que continua se desenrolando. O resultado da primeira pesquisa do Ibope neste segundo turno mostra bem o que está acontecendo nessa polarização continuada, que a campanha de Lula percebeu a tempo de montar uma estratégia eficiente, a de colocar o PSDB como a representação da “direita” contra a candidatura de “esquerda” que Lula representaria.
No primeiro turno, Lula ficou com 48,6% dos votos válidos, sendo que os 51,4% dos votos contra ele se dividiram entre 41,6% para Alckmin e 9,8% entre Heloísa Helena e Cristovam. Na verdade, esses quase 10% de votos representam na sua grande maioria um eleitorado de esquerda descontente com Lula, especialmente no Rio de Janeiro, onde Heloísa Helena teve 30% de sua votação.
A senadora do PSOL terminou a eleição desidratada em cerca de 5% dos votos, que migraram ainda no primeiro turno para Geraldo Alckmin, que teve uma votação muito acima do que as pesquisas indicavam.
Esse eleitor, que votava em Heloísa Helena ou em Cristovam em protesto, preferiu fazer o voto útil no primeiro turno, insatisfeito também com a agressividade e falta de objetividade das propostas de Heloísa Helena.
Houve também um voto nos dois candidatos dissidentes do petismo para “punir” o PT pelo dossiê, obrigando Lula a disputar o segundo turno para reduzir-lhe a soberba.
Os 43% que Alckmin sustenta hoje significam que apenas 1,4% dos eleitores de Heloísa Helena e Cristovam foram para ele, enquanto nada menos que 8,4% dos votos válidos desses dois candidatos foram para Lula. A esquerda, mesmo descontente com Lula, posiciona-se contra o que seria “a direita”, representada por Alckmin. A transferência direta de votos de Heloísa Helena e Cristovam diminui dependendo do instituto de pesquisa. O Datafolha dá uma diferença de 12 pontos, o Vox Populi de dez pontos, e o prefeito do Rio, Cesar Maia, diz que ela é na verdade de 7 pontos, o que significaria que a eleição ainda está aberta.
Na disputa política durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o PT teve como tática empurrar o PSDB para “a direita” do espectro politico, como maneira de confrontar-se. Não foi à toa que José Serra, ao assumir a presidência do PSDB depois de derrotado por Lula, acusou o PT de adotar um “bolchevismo sem utopia”, denunciando-o como um partido de aparelhamento do Estado com fins corporativos, e não ideológicos. O poder pelo poder. Fosse Serra o candidato tucano hoje, o panorama politico estaria completamente subvertido.
Embora se diga em meio a uma “disputa ideológica” com as elites brasileiras, Lula não perde a oportunidade de se lamentar que os empresários, grandes industriais e banqueiros não o apóiam, embora venham ganhando muito dinheiro em seu governo.
Mas ele certamente seria o preferido dessa “elite” se o PSDB tivesse escolhido Serra candidato. E hoje, em vez de se colocar como o candidato da “esquerda” contra Alckmin, estaria amedrontando a “elite” com a ameaça que um governo Serra representaria.
O “terrorismo eleitoral” que está fazendo com Alckmin, jogando-o contra os beneficiários do Bolsa-Família, os funcionários públicos e os pobres de maneira geral, estaria fazendo contra Serra no sentido inverso. E talvez essa “esquerda” que rompeu com o lulismo-petismo estivesse hoje mais bem acomodada com a candidatura Serra, que, no entanto, teria muitas dificuldades para convencer a “elite” brasileira de que não representaria perigo.
Sua reconhecida capacidade administrativa e inegável visão de estadista, que mais uma vez foi ressaltada no discurso como governador eleito de São Paulo, são predicados que o capacitam para a Presidência da República, mas seu estilo centralizador de governar, e suas idéias próprias sobre economia, que muitas vezes discordam do receituário mais ortodoxo seguido por FH e mantido pelo governo Lula, tornam um governo Serra “menos previsível” do que um governo Lula ou Alckmin.
Mesmo com todos os desvios éticos e as críticas ao modelo econômico adotado, a “esquerda” do PT que saiu do partido se sente mais ligada a Lula, e já há um movimento dentro do PSOL para, apesar da proibição, aderir formalmente à reeleição. Lula é feito um camaleão, deixa sempre a possibilidade aberta para o seu lado “esquerda”, embora assuma compromissos claros com a “elite” de que não há plano B possível para a economia.
Faz uma política externa “de esquerda”, mas com o bom-senso de manter o diálogo com os Estados Unidos, e faz dos programas sociais sua bandeira “de esquerda”, embora muitos os considerem apenas programas populistas ou assistencialistas.
Sustenta os chamados “movimentos sociais” com verba oficial e leniência política, e vende a idéia para a “elite” de que é melhor dar-lhes espaço, sob seu controle. Lula consegue se equilibrar entre o passado e o presente com grande habilidade. Até q u a n d o ?
Entrevista:O Estado inteligente
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