O episódio Yoshiaki Nakano, dias atrás, traz várias lições. O mundo caiu sobre a cabeça de Nakano quando ele propôs um ajuste fiscal e redução a zero do déficit nominal. O comando da campanha do candidato Lula aproveitou para ameaçar o país dizendo que se a idéia fosse aplicada a economia entraria em recessão. O candidato Geraldo Alckmin desautorizou seu assessor e disse que só ele fala sobre seu programa de governo.
O caso mostra que racionalidade é a primeira vítima num debate eleitoral. A proposta feita por Nakano é exatamente a mesma feita pelo deputado Delfim Netto ao presidente Lula, na época do ex-ministro Antonio Palocci: estabelecer como meta zerar o déficit nominal, ou seja, cortar despesas equivalentes a 3% do PIB. Na época, o ministro Paulo Bernardo se bateu pela idéia num confronto público com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela disse que a proposta era “rudimentar”, enquanto ele e Palocci a defenderam como caminho para a queda forte dos juros e a redução da proporção dívida/PIB. Paulo Bernardo agora diz que o que Nakano está propondo é acabar com todas as despesas da saúde e da educação. O ministro sabe que não é verdade e sabe também que ele próprio lutou enquanto pôde pelo projeto de reduzir a zero o déficit nominal.
A ministra Dilma atropelou o debate, e o presidente Lula deixou claro que concordava com ela. É mais confortável acreditar em quem manda o governante gastar. Na entrevista que concedeu ao GLOBO, o presidente garantiu que não há outra forma de cortar gastos que não seja diminuir salário ou demitir funcionários. Ele está enganado. As despesas brasileiras têm uma série de ineficiências, têm crescido muito nos últimos anos e precisam ser detidas, do contrário o país enfrentará uma crise de grandes proporções.
Se na área cambial Nakano pôs os pés pelas mãos, ao propor controle da conta de capitais, na área fiscal o que ele falou é exatamente o que um governo responsável tem de se propor diante de um quadro de elevação constante das despesas, como tem ocorrido no Brasil.
Todo mundo quer a redução de impostos, o governo acena para os empresários com promessas de desoneração, todo candidato promete reduzir a carga tributária, mas candidato que falar em corte de despesas públicas pode perder votos. É irracional. Para reduzir a carga tributária sem cortar despesas, só diminuindo o superávit primário e, portanto, aumentando o déficit público. O que o governo está apostando é que o país vai crescer, tornando toda a equação econômica mais fácil. Só que o crescimento depende de investimento, e o governo, que é 40% do PIB, não investe porque as despesas correntes consomem toda a receita.
O país está numa grande crise fiscal, que tem várias e complexas dimensões. O orçamento é excessivamente rígido, as despesas previdenciárias têm crescido demais para um país tão jovem, o Brasil gasta mais que outros países que têm melhor desempenho nas políticas públicas. No ano que vem acabará a validade de dois instrumentos que foram inventados como atalhos provisórios para contornar as dificuldades: a CPMF e a DRU, a Desvinculação das Receitas da União, que permite que 20% das verbas vinculadas tenham outra destinação. A DRU é remendo e deveria ser só por um ano ou dois. Foi inventada antes do Plano Real para ajudar no ajuste fiscal prévio ao plano. Está aí até hoje e será renovada.
Os candidatos e seus assessores precisam falar sério sobre as despesas públicas. Quem disser que não vai cortar despesas está mentindo ou está sendo enganado pelos seus assessores. Será inevitável. A menos que tente elevar de novo a carga tributária, o que aconteceu durante os dois últimos governos. Em 2003 a carga foi de 34% do PIB, no ano passado terminou em 37,4%, e este ano está crescendo de novo, como ficará provado quando os dados saírem.
O governo tomou decisões este ano que vão se refletir nos próximos anos, como tem alertado, por exemplo, o consultor Alexandre Marinis, que recentemente divulgou um texto com os dez perigosos precedentes abertos na área fiscal. Falando apenas de alguns: o governo Lula contratou 118 mil servidores civis e militares e vai contratar mais 47 mil no ano que vem, 29 mil apenas no Executivo; o governo concedeu aumentos altos de salário que havia negado nos anos anteriores; na proposta de orçamento para o ano que vem, o governo superestimou o crescimento (4,75%), o que é um truque para aumentar a previsão de receita, e ainda incluiu R$ 10 bilhões de receita sem qualquer base, dizendo que serão fruto de “esforço de arrecadação”; o governo tem dependido demais de dividendos das empresas e de bancos públicos, este ano 22% do superávit primário foram conseguidos com dividendos. Pior, mais da metade disso veio dos bancos públicos federais, que deveriam estar se capitalizando. É bom lembrar que Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Basa passaram por capitalização no governo Fernando Henrique: de 1996 a 2001 receberam do Tesouro R$ 20 bilhões. Deveriam agora estar se fortalecendo, em vez de transferir tanto dinheiro para o governo.
Há riscos fiscais no país, há um peso excessivo do Estado sobre a economia, há irracionalidades e ineficiências nos gastos públicos, o governo Lula contratou um aumento de despesas que torna inevitável um corte de gastos no ano que vem. O governo nega porque está em campanha. Passadas as eleições, restabelece-se a verdade.