O Wal-Mart anunciou queda de vendas por causa da crise. Isso é um problema chinês: 70% dos produtos que estão nas prateleiras da maior cadeia de varejo americano foram produzidos na China. Se os pais americanos não comprarem mais brinquedos feitos na China, com medo de ferir suas crianças, quem vai quebrar é a Mattel, americana.
dos fatos mais estranhos da economia atual é a excessiva dependência dos Estados Unidos em relação à China. Mais que isso: simbiose. A intensa relação comercial é só a ponta desse iceberg. O economista Paul Craig Roberts, que foi assessor da Secretaria do Tesouro no governo de Ronald Reagan, acha que quem controla a taxa de juros nos Estados Unidos não é o Fed, mas as autoridades chinesas.
Essa tese o economista defendeu em artigos escritos num site de pensamento independente, meio de esquerda, o que é curioso por ter sido ele assessor de Reagan.
Apesar de ter trabalhado para um governo republicano, Paul Craig Roberts não poupa adjetivos quando trata das decisões da política econômica e monetária do governo Bush: são, para ele, “os idiotas de Washington”.
Recentemente a China fez, através de dois portavozes do governo, comentários mostrando que sabe o poder que tem sobre o Fed. Disse que as “consideráveis posições mantidas pelo governo chinês em dólar e em títulos americanos são uma grande contribuição à manutenção do dólar como reserva”. Avisaram que, se o governo americano fizesse qualquer retaliação ao governo chinês, tentando obrigá-lo a desvalorizar sua moeda, “o banco central chinês será forçado a vender dólares, o que poderia conduzir a uma forte depreciação do dólar”.
Bom, se isso acontecer, a única alternativa americana será elevar os juros.
Essa declaração, de burocratas, mas que, no regime chinês, deve ser entendida como um recado oficial, foi feita após a bronca dada pelo secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, às autoridades chinesas, mandando-as valorizar o yuan. A moeda chinesa tem preço artificialmente baixo. Isso distorce o comércio. Aumenta as exportações chinesas para os Estados Unidos, porque faz com que seus preços sejam muito baixos em dólar. A valorização da moeda chinesa poderia reduzir o desequilíbrio do comércio bilateral.
Seria bom para os Estados Unidos? Não. A confusão toda é essa. Se a China exportar menos para o mercado americano, as companhias americanas vão perder. O que ela vende são produtos de empresas americanas feitos na China para os próprios americanos. Elas transferiram para lá a produção, como se revelou dramaticamente no caso da Mattel. Os lucros das grandes corporações dos Estados Unidos são dependentes de vendas no mercado americano dos produtos feitos na China. Os EUA não podem retaliar a China sem se ferir. Não porque os chineses respondem suspendendo as compras de biscoito Campbell, mas porque as grandes corporações americanas estão na linha de qualquer tiro disparado contra Pequim.
O yuan artificialmente baixo aumenta a exportação chinesa para o mundo inteiro, o que significa dizer: mais lucros das corporações dos Estados Unidos.
“Hoje metade das importações americanas supostamente chinesas são produção off shore das empresas americanas para o mercado americano”, diz Rober ts.
O grande risco do atual abalo financeiro mundial é que os EUA entrem em recessão.
O ministro Guido Mantega disse que isso não terá tanto impacto, pois a economia americana não é mais a locomotiva do mundo.
De fato, hoje ela responde por uma parte menor do crescimento mundial, apesar de continuar sendo grande. Mas a simbiose com a outra locomotiva, a China, faz com que haja reflexos dos dois lados.
Muita gente costuma dizer que a China não venderá os dólares e os títulos do Tesouro americano que tem em reservas porque isso seria dar tiro no pé e desvalorizar os próprios ativos.
Paul Craig Roberts acha que essa visão é outro equívoco de quem não entendeu a natureza da armadilha monetária em que os Estados Unidos estão.
“Os economistas americanos estão errando quando pensam assim, pois a China não precisa de amplas reservas ou moeda estrangeira pelo motivo pelo qual outros países precisam, que é sustentar o valor da sua moeda ou cobrir déficits externos.” Pelo contrário, a China não permite que sua moeda flutue e seja negociada. Por isso, existe um mercado do “yuan virtual” e “se ela tivesse credores, eles ficariam felizes de serem pagos em yuan”, diz Paul. Isso porque é uma moeda que só não sobe porque um governo ditatorial não deixa. Se, em vez de se precisar de 8 yuan para comprar um dólar, forem precisos só 5,5, pode haver também inflação nos Estados Unidos.
É bom ter isso tudo em mente nestes tempos em que a crise financeira ameaça o orçamento do consumidor americano. Primeiro, porque um estrago nos Estados Unidos reflete na China.
Segundo, porque, se a China obedece a ordem dada por Washington de valorizar o yuan, aí é que a coisa fica feia mesmo porque os lucros americanos vão cair e os preços ao consumidor aumentar no meio de um clima recessivo. Terceiro, revela como é míope o piloto do flight to quality, aquele dinheiro que voa para o título do Tesouro americano como um refúgio seguro.
Hoje, se a China disser que não compra mais esses títulos, como ficaria o valor do Treasury Bill? Os Estados Unidos abusaram, com seus déficits e sua gastança, do seu papel de emissor da moeda de referência da economia mundial.
Entrevista:O Estado inteligente
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