Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 19, 2007

João Ubaldo Ribeiro

O relaxogozismo num boteco do Leblon



- Tu tá bem, cara, tu tá muito bem. Há muito tempo que não te vejo assim tão bem e com a cara tão alto astral. Tudo isso é o Botafogo? Tem razão, é preciso valorizar as raras alegrias da torcida do teu time. O Botafogo...

- Qual é, cara, deixa o Botafogo pra lá, ainda mais tu, na tua condição de membro das Viúvas do Joelho do Obina, não tou pensando em futebol. Eu concordo com você que estou bem melhor, parei com aqueles grilos todos, agora vivo calmíssimo, quase zen. Não é só você, não, tá todo mundo notando. Lá em casa, aliás, o clima mudou completamente, está um verdadeiro paraíso. Você veja como é a vida. Tudo isso somente por uma questão filosófica. Depois dizem que a filosofia não tem importância na vida prática. Só tem, cara, tu tá vendo aqui o resultado, só tem!

- Não saquei direito, tu tá estudando filosofia?

- Não, assim com livro, formalmente, não. Mas, de certa forma, estou. De uma forma prática, quer dizer, praticando uma filosofia.

- Tu leu aí algum livro de auto-ajuda? Se leu, me diz qual é, que eu sou vidrado em livro de auto-ajuda. É esse americano novo, do Querer Supremo? Esse a Glorinha já comprou e eu...

- Tem nada disso, cara, o brasileiro é muito colonizado, fica indo na desses gringos que não tão com nada, não tão por dentro da nossa realidade. Qual é Querer Supremo, cara, aqui mesmo, diante da gente, a solução já foi lançada e é de fato a melhor, não tem comparação. É que santo de casa não faz milagre, aliás santa. Acho que ela está sendo vítima de uma grande injustiça.

- Que santa está sofrendo uma grande injustiça? Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil? Com certeza ela está sofrendo uma grande injustiça, ela não merecia isso, bem que podia ser um paisinho melhor.

- Não, cara, eu falei santa no sentido figurado, tu tá é querendo curtir com a minha cara. Tu sabe a quem eu tou me referindo.

- Não, juro que não sei.

- Claro que estou me referindo à d. Marta Suplicy, a ministra.

- Saaaaaanta?

- Não, cara, pára com isso. Não é nada disso. Eu estou usando o ditado ''''santo de casa não faz milagre'''' para mostrar que, apesar de ser uma excelente filosofia, a que ela sugeriu, ninguém levou a sério, ninguém se deu ao trabalho de estudar as implicações e muito menos experimentar na prática.

- Você quer dizer o ''''relaxa e goza''''?

- É, mas eu acho essa uma maneira vulgar de colocar essa filosofia.

- Foi o que ela disse.

- Sim, mas ela não tinha muito tempo para falar, teve de ser uma coisa sintética, para as massas. O que ela não contava era com a má vontade que demonstraram, só a posteridade fará justiça, infelizmente.

- Qual é, cara, ela toda ótima, com cara de gozação, neguinho rolando pelo chão do aeroporto três dias e três noites e até morrendo, e ela rindo e falando relaxa e goza? Tu tá pirado? Te deram um emprego também?

- Não, sério, há muita profundidade no que ela disse. E muito senso da realidade. Por que a gente persiste em querer uma porção de coisas para o Brasil que o Brasil nunca vai ter?

- Bem, para começar, as reformas...

- Tu ainda tá nessa de reforma, te sintoniza, cara, esse negócio de reforma é saudosismo de velho. O fato é que o Brasil é assim, ponto. Qual é o certo? É dar murro em ponta de faca? É se estressar a ponto de ter um treco?

- Quer dizer que você está pregando o conformismo?

- Absolutamente, estou pregando o realismo. Até porque também não é assim. No meio da esculhambação, sempre aparece alguém fazendo alguma coisa, vê agora o caso da crise aérea.

- Tu acha que estão resolvendo a crise aérea?

- Claro que estão. Vai demorar, mas vão resolver.

- Eu devo estar errado, mas só vejo o ministro Jobim marchando pra lá e pra cá com cara de general MacArthur, dando entrevistas e reclamando do tamanho das poltronas dos aviões. É, de concreto mesmo só vejo esse negócio do tamanho das poltronas.

- É um passo! É um passo! Roma não foi feita num dia, também não é assim. O tamanho das poltronas já é um passo. Tu não pensa grande, não vê adiante. Eu, com essa novidade das poltronas, já estou prevendo uma porção de coisas, inclusive econômicas e tecnológicas, com o Brasil saindo na frente.

- Desculpa, mas tamanho de poltrona é alta tecnologia?

- Na base da improvisação, não, é claro. Mas é um campo muito complexo e vai ter que ser criada uma ciência, com o Brasil saindo na frente disparado. Aqui vai ser o berço da Bundometria, vamos ter o Instituto Nacional de Bundometria e as Normas Bundométricas Nacionais, todo mundo vai importar nosso know-how. Pense, pense nas implicações de todos os tipos, no imenso mercado que se abriria para bundometristas e bundólogos com profissão regulamentada, mamatas novas para todo mundo, Bolsa Bunda, nunca se mediu tanta bunda na História deste país, especialistas em fraudar bundômetros e a CPI da Bunda Falsa, cara, o céu é o limite, tu não tá vendo? Tenha fé!

- Eu tou vendo é que desta vez tu é que tá curtindo com a minha cara. Eu te levando a sério esse tempo todo e tu me sacaneando.

- Não tem nada de sacanagem, cara, eu já disse que sou realista. Se não for assim, vai ser parecido, vai por mim. Relaxa e goza, cara.

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