Publicada em 30/08/2007 às 16h19m
A decisão do Supremo Tribunal Federal de acolher as denúncias contra os 40 envolvidos no denominado "mensalão" faz voltar o tema da participação do Partido dos Trabalhadores no cenário político nacional. Desde a sua criação, o PT foi visto por diversos setores da sociedade como um partido anti-sistema, condição que a ciência política não invalida para o funcionamento de um sistema político.
A sua atitude em relação à Constituição de 1988, o sobressalto financeiro causado em 2002 pela sua ascensão ao poder e a hospedagem concedida a movimentos sociais que violam a Lei constituíram um legado de dúvidas e questionamentos quanto à praticabilidade da participação do partido no jogo político que o acompanhou até a posse de seu líder como presidente da República, em janeiro de 2003, respaldado por uma maciça votação que só foi superada no Ocidente pela reeleição de Ronald Reagan nos Estados Unidos em 1984.
O pleito de 2002 teve uma feição plebiscitária, quando uma expressiva parcela de votantes que anteriormente havia rejeitado a proposta petista expressou seu descontentamento em relação à administração que terminava o mandato, elegendo Lula presidente da República.
O mesmo não pode ser dito, com segurança, em relação à reeleição em 2006, a qual se deveu principalmente à extensão dos programas de transferência de renda que beneficiaram às classes mais pobres e à desarticulação da oposição aferrada exclusivamente à via da exploração política dos escândalos e que não pode ou não quis debater idéias e projetos. O PT conseguira inverter a equação que o mantivera fora do poder durante três eleições presidenciais, superando o contingente de leitores que o havia rejeitado.
A ascensão do PT ao poder em 2003 trouxe perspectivas novas ao cenário político brasileiro e, exceto por uma rejeição ideológica "a priori", pode ser vista como uma oportunidade de evolução e consolidação do quadro político nacional. O PT era um partido de massas que assumia a responsabilidade de governar um grande país, com uma grande economia e problemas exponenciais a essas extensões. Caracterizando-se como de centro-esquerda, respeitando acordos anteriormente firmados pelo governo brasileiro e praticando um discurso moralizante e desenvolvimentista, o PT ascendeu ao poder bafejado por um expressivo apoio popular, muito além de seu fiel eleitorado militante ou simpatizante.
O fracasso brasileiro em tornar o PT um partido afim ao sistema político se consumou na maneira como ele operou o sistema de coalizão característico da governabilidade do país nesta 5ª República e que culminou na decisão do STF, a qual contém um inequívoco julgamento da prática política que se antecipa ao julgamento penal. Hoje, isso tem uma implicação bem mais significativa e profunda do que em 2003. Por estar no poder de um sistema onde a hegemonia do executivo se traduz em deslavados clientelismo e assistencialismo, um PT anti-sistema enquanto partido traz a perspectiva da sua imposição pelo continuísmo, direta ou indiretamente, uma hipótese que não precisa de inspiração estrangeira.
A alternativa direta, pela eleição ou reeleição de candidato próprio, ou a indireta, pela participação na chapa vencedora, participação majoritária na base de apoio e domínio da burocracia estatal serão analisadas pela direção do partido que irá optar por uma delas no momento oportuno. A consistência da democracia brasileira irá passar por um sério teste nos próximos anos.
Surgiu, porém, uma vertente inesperada nessa dinâmica da qual se antecipam os rumores. A Justiça, representada pela sua mais alta corte, demonstrou que não ficará alheia ao processo político, uma novidade benfazeja à Nação. Do fracasso da política salvou-se a constitucionalidade do país, o grande êxito até aqui e talvez a uma única certeza que todos devemos preservar.
Sérgio Costa é historiador