Não é bem assim
Dois números da economia americana divulgados na sexta-feira — de construção de casas em julho e de encomendas de bens de consumo duráveis — deram a sensação de que todo o susto passou. As bolsas subiram no Brasil; recuperaram 10,3% em relação ao pior momento; e, além disso, o país foi promovido em plena turbulência pela agência Moody’s. Tudo parece confirmar que o perigo passou e nos saímos muito bem.
Mas não é bem assim. Os riscos não acabaram. O Brasil está forte em vários pontos, porém tem fragilidades que produzem outro tipo de risco: o de nunca decolar de forma sustentada.
Quanto à crise de agora, outras notícias internacionais vão afastando o clima de pânico que se espalhou nos primeiros dias. O Bank of America vai injetar dinheiro na Countrywide, a maior empresa de dívida hipotecária dos Estados Unidos, responsável por uma em cada cinco hipotecas. Ela esteve para quebrar, agora parece haver chance de escapar desta.
Fundos descobertos jogaram o prejuízo nos aplicadores ou receberam recursos dos bancos. Os bancos centrais injetaram — e continuam injetando — diariamente recursos no interbancário e, até agora, conseguiram evitar a temida quebra de algum banco que produzisse uma crise sistêmica.
O cenário mais benigno é uma redução não drástica do crescimento americano, desaceleração chinesa e diminuição dos preços das commodities. O Brasil teria, neste cenário, uma queda do saldo comercial, o que já está nas contas de todo mundo; uma elevação do dólar, mas não muito, já que o país continuará com superávit em transações correntes.
O déficit externo que houve em julho foi maior que o esperado. Resultou de um aumento de 143% na remessa de lucros e dividendos e num aumento da importação, mas é apenas um episódio. O país termina o ano positivo em suas contas externas.
No seu informativo econômico semanal, os economistas do Itaú defendem que um crescimento menor das economias norte-americana e chinesa terá impacto no crescimento do Brasil, sobretudo no ano que vem. Um dos cenários com que estão trabalhando é o de uma forte desaceleração da economia dos Estados Unidos, com impacto no comércio mundial.
Eles fizeram um cálculo: se o PIB dos EUA em 2008 crescesse 1,2%, o comércio mundial 4% e a taxa de câmbio real sofresse uma desvalorização de 6%, isso faria com que o PIB brasileiro crescesse, em 2008, 0,3 pontos percentuais menos que o previsto antes da crise. “A maior taxa real de juros diminuiria as taxas de crescimento dos investimentos e do consumo de bens duráveis”, diz o banco.
Mas o menor preço das commodities pode ser compensado pela desvalorização do real, que também faria com que as importações caíssem. No fim das contas, o saldo comercial cairia de forma “moderada”.
“Ou seja, o câmbio brasileiro se ajustaria de forma a suavizar a redução da conta corrente que, segundo nossos modelos, ainda permaneceria no terreno positivo em 2008”, diz o texto.
De qualquer forma, o banco acredita que o cenário de forte desaceleração dos EUA não é o mais provável.
No ano que vem, o Brasil pode receber o investment grade. O curioso é que a reputação das agências de risco está em frangalhos após mais este erro — desta vez, foi com as hipotecas americanas —, mas suas notas produzem efeitos econômicos concretos. Investidores de instituições que, por razões regulatórias, estão submetidas a regras prudenciais mais rígidas poderão investir no Brasil quando ele for prime. Não podem enquanto o país é ainda classificado no nível de investimento especulativo. A presença do investidor de mais longo prazo poderá produzir vários efeitos positivos na economia, como o alongamento da dívida prefixada.
— Estávamos reavaliando o Brasil há três meses.
Esses problemas no mercado internacional começar a m a l g u m a s s e m a n a s atrás. Achamos, então, que não era o caso de cancelar a melhora da classificação do país. Em alguns pontos, como o balanço de pagamentos, o Brasil está bem mais sólido que países como Colômbia e Turquia — afirma Mauro Leos, da Moody’s.
Tudo isso que o Brasil está colhendo agora foi porque plantou. Na área macroeconômica, o esforço brasileiro por solidez vem de longe. A reforma monetária, a queda da inflação, a flutuação do câmbio, as metas de inflação, a autonomia de fato do Banco Central, os superávits primários. Tudo aquilo que passou de um governo ao outro, de um ministro ao outro acabou produzindo saltos de qualidade na economia brasileira.
Mas este avanço é localizado.
O Brasil continua totalmente desorganizado na área fiscal, a despeito da falsa impressão de ajuste que dá o superávit primário.
Ele tem sido feito pelo aumento da carga tributária e da arrecadação. Quem fez o ajuste foi o contribuinte; não o governo.
Como bem lembrou, em artigo esta semana, o professor Rogério Werneck: “Ao longo dos últimos 13 anos, os gastos primários dos três níveis de governo cresceram a uma taxa real média equivalente ao dobro da taxa média de crescimento do PIB no período.” Rogério Werneck diz que esse quadro é totalmente insustentável.
Ele não está sozinho.
Diversos especialistas em contas públicas vêm mostrando que todos os governos brasileiros cometeram o mesmo erro: aumentaram anualmente as despesas públicas, com o sacrifício, inclusive, dos investimentos.
Isso não nos ameaça de colapso, apenas nos condena à mesma mediocridade que temos vivido. Só este ano o país se igualará ao crescimento mundial, justamente no ano que parece ser o fim do melhor período.
Entrevista:O Estado inteligente
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