O Globo |
31/8/2007 |
Uma das definições do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa para a expressão "mídia" abrange todos os "meios de comunicação social de massas", exceto os "não diretamente interpessoais", como conversas e diálogos públicos e privados. Ironicamente, a revelação pelos jornais - um dos elementos da chamada "mídia" - de diálogos de ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o julgamento da admissibilidade de culpa dos acusados do chamado processo do mensalão causou alvoroço nos meios políticos, dando seqüência à série de ataques que os meios de comunicação vêm recebendo desde que o governo decidiu assumir a teoria da conspiração de que uma elite estaria interessada em desestabilizá-lo com o auxílio dos meios de comunicação. A conversa telefônica do ministro Ricardo Lewandowski com um interlocutor de nome Marcelo, em que ele se queixa de que o Supremo decidiu sobre o mensalão "com a faca no pescoço" devido à pressão da mídia, revelada pela jornalista Vera Magalhães da "Folha de S.Paulo", se referia a uma outra reportagem, esta do GLOBO, que mostrou, através de fotos de Roberto Stuckert Filho, o diálogo pelo computador do mesmo Lewandowski com sua colega de tribunal Cármen Lúcia. No diálogo, os dois lançavam suspeitas sobre os votos de seus pares, notadamente o ministro Eros Grau, que teria revelado que votaria contra a admissibilidade. E avaliavam que poderia haver uma troca entre o voto de alguns ministros e a indicação do novo ministro do Supremo. As duas reportagens têm um ponto comum, a incontinência do ministro Lewandowski, e a mesma gênese: jornalistas tendo acesso, de forma legal, a conversas de autoridades. Assim como é impossível pedir a uma jornalista que não publique uma conversa que ouviu numa mesa de restaurante, desde que o assunto seja de interesse público, não é possível pedir a um fotógrafo que não fotografe, ou a um cinegrafista que não filme, seja uma cena de uma janela do Palácio do Planalto - caso do assessor especial Marco Aurélio Garcia flagrado pelas lentes da TV Globo num gesto obsceno de comemoração -, seja uma tela de computador. Os dois fatos estão ligados também porque o ministro atribui a decisão do Supremo de ter condenado todos os acusados no caso do mensalão à divulgação dos diálogos pelo computador. Ele mesmo admite que votou algumas vezes contra o que decidira, e disse que a tendência da Corte era "amaciar" em relação ao ex-ministro José Dirceu na acusação de formação de quadrilha, mas a reportagem do GLOBO surgira no "caminho" para atrapalhar o que, segundo ele deu a entender, estava combinado. Em vez de cobrarem a responsabilidade do ministro do STF pelos comentários e insinuações, cada um culpa a "mídia", de acordo com seus interesses. O ex-ministro José Dirceu, que nunca se cansa de acusar os meios de comunicação de persegui-lo politicamente, desta vez se utilizou da reportagem da "Folha" para se dizer injustiçado pelo STF, dando assim como verdadeira a notícia que lhe convinha. Os ministros do Supremo repudiaram a noção de que votaram com "a faca no pescoço" devido às pressões da "mídia", e o incauto Lewandowski resolveu silenciar. Mas, assim como Dirceu se disse "inseguro" com seu julgamento pelo Supremo depois das revelações do jornal, não será de espantar se algum dos agora réus aparecer com uma tentativa de anular o julgamento do Supremo. No início da semana, fora o próprio presidente Lula quem voltara a dar sinais de estar incomodado com a cobertura da "mídia" sobre o julgamento do mensalão, atribuindo aos meios de comunicação de maneira geral "a mania de ter o dom da verdade". E depois do resultado que colocou no banco dos réus todos os seus principais assessores do primeiro mandato, e mais sua base política no Congresso, Lula colocou-se acima de qualquer suspeita, alegando que embora a "mídia" tivesse tentado derrotá-lo nas últimas eleições, fora "julgado" pelo eleitorado, que o reelegeu com mais de 60%. Mais uma vez, como fizeram os mensaleiros no julgamento da Câmara, Lula tenta jogar a opinião pública contra os meios de comunicação, opondo as críticas que eventualmente seu governo recebe à aprovação das urnas, como se a sua popularidade impedisse as críticas. A mesma atitude vêm tomando o presidente do Senado, Renan Calheiros, e seus aliados, na tentativa de postergar ao máximo uma decisão sobre a quebra de decoro parlamentar de que é acusado. Quando não têm argumentos, atacam os meios de comunicação que divulgam denúncias ou realizam suas próprias investigações, tentando desqualificar o mensageiro para neutralizar a mensagem que lhes é prejudicial. Até mesmo a senadora Ideli Salvatti se deu ao trabalho de ocupar a tribuna do Senado ontem para fazer uma análise crítica da edição dos principais jornais sobre a notícia de que o Brasil conseguiu reduzir o índice de miseráveis, cumprindo com antecedência de dez anos uma das Metas do Milênio da ONU. Nenhum jornal deu com o devido destaque a notícia, na opinião da senadora, que procurou levar para o governo Lula os louros de um processo de redução da miséria que se desenvolve com sucesso desde 1990. Ela devia ter ouvido os conselhos do primeiro porta-voz do governo Lula, o jornalista Ricardo Kotscho, que sempre dizia que toda notícia que interessava ao governo era propaganda. |
Entrevista:O Estado inteligente
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