Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 26, 2007

Celso Ming

As raízes da crise


Uma grande encrenca pede grandes culpados. Foi a esse exercício que se dedicaram os analistas depois que explodiu a bolha do crédito imobiliário de alto risco (subprime) nos Estados Unidos.

Um dos nomes em quase todas as listas é o do ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) Alan Greenspan, que teria sido excessivamente leniente na sua política monetária. A acusação é a de que segurou durante muito tempo juros baixos demais. Ele de fato manteve os juros básicos (Fed funds) em 1% entre junho de 2003 e junho de 2004.

Mas é preciso cavoucar mais para chegar às origens desta crise. Têm a ver com o atual arranjo da economia global que empurrou os Estados Unidos para o consumo e transformou a Ásia e mais um punhado de emergentes (Brasil inclusive) em grandes exportadores de poupança.

Mas, voltando ao Fed. Se os juros fossem puxados para cima no período citado, o resultado provável seria uma deflação cujo efeito seria tão ou mais devastador do que a inflação, como Greenspan tantas vezes advertiu, na medida em que estimularia o consumo e, conforme o caso, derrubaria a arrecadação, já que os impostos são cobrados sobre os preços.

Como já foi apontado nesta coluna, a inflação baixa desse período foi produzida por dois fatores: pela substancial redução dos preços dos produtos fabricados na Ásia (efeito China) e pela larga utilização de Tecnologia de Informação, que reduziu o uso de fatores de produção (matérias-primas, capital e mão-de-obra). Assim, para derrubar a inflação, os bancos centrais não precisaram elevar os juros como antes. O mergulho dos preços facilitou o exercício da política monetária.

Essa situação, por sua vez, já era resultado de outro arranjo global, em que os asiáticos e outros emergentes se puseram a exportar para os Estados Unidos e a juntar enormes sobras de receita (superávit comercial). A partir daí, armazenaram reservas, cujo componente principal são títulos do Tesouro dos Estados Unidos (treasuries). Ora, quem compra treasuries exporta poupança para os Estados Unidos. Hoje, a China tem reservas de US$ 1,3 trilhão; o Japão, de US$ 1 trilhão; a Rússia, de US$ 430 bilhões; a Índia, de US$ 230 bilhões; e o Brasil, de US$ 160 bilhões.

Tudo se passou como se os emergentes se dedicassem a fornecer mercadorias e os Estados Unidos, a consumir. A remessa dos dólares do saldo comercial de volta para os Estados Unidos (por meio da compra dos treasuries) é o mecanismo pelo qual os emergentes financiam o consumo americano. Ao longo dos últimos dez anos, os Estados Unidos mostraram poupança negativa ou muito próxima de zero.

Esse ambiente de financiamento fácil (e barato) explica a farra consumista e creditícia dos Estados Unidos, que também produziu a bolha do subprime. E é insustentável a longo prazo porque nem emergentes podem seguir no amontoamento de reservas nem os Estados Unidos podem seguir apenas cigarreando.

A atual crise pode ir embora, mas, sem um megaajuste global, tende a voltar. Aparentemente, a China e o resto dos emergentes têm de consumir mais e os Estados Unidos, poupar mais. Este é o maior desafio do capitalismo global à espera de propostas e de estratégia macropolítica.

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