Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 26, 2007

DANUZA LEÃO

Refletir às vezes é preciso


A idéia de policiais pedindo esmolas não me sai da cabeça. Mesmo que o ato tenha sido apenas simbólico

ESTA SEMANA foi pródiga em acontecimentos: o mensalão sendo discutido no Supremo, mais provas contra Renan Calheiros, a população carente do Nordeste sem atendimento nos hospitais, devido à greve dos médicos. Mas o que mais me chocou, sei lá por que, foram os policiais civis pedindo esmola dentro do túnel Santa Bárbara, no Rio. Na hora do rush, com o trânsito parado, eles entravam nos ônibus e diziam que, no lugar de estarem assaltando, seqüestrando, achacando, estavam pedindo esmola, para mostrar como o governo os trata.
Muita gente, não percebendo que o pedido de esmola era simbólico, botou a mão no bolso e deu uns trocadinhos para ajudar os policiais, e o que conseguiram arrecadar foi doado a uma instituição de caridade. Mas escolher essa maneira para reivindicar um salário melhor é doloroso.
Mais tarde os policiais se juntaram a profissionais da Saúde, da Educação e da Segurança e foram protestar em frente ao Palácio Guanabara, onde, entre um show e um jantar, trabalha o governador; sempre simpático, sempre sorrindo, como se o Estado vivesse no melhor dos mundos. Além disso, todos os museus e a Biblioteca Nacional estão fechados por tempo indeterminado. Vai bem, o Estado do Rio.
A idéia de policiais pedindo esmolas a passageiros de ônibus e motoristas não me sai da cabeça. Mesmo que o ato tenha sido apenas simbólico, é humilhante para qualquer pessoa chegar a esse ponto para, talvez, ter suas reivindicações atendidas. É esse o país que vai tão bem?
Dinheiro é o que não deve faltar; para o mensalão não faltou, para o avião de Lula também não. Os brasileiros trabalham durante quatro meses por ano só para pagar seus impostos; se protestassem mais, talvez as coisas mudassem.
Símbolos são, às vezes, mais visíveis do que a própria verdade. E como policiais não podem fazer greve, decidiram mostrar suas verdadeiras condições, isto é, que estão à beira da mendicância.
Que prestem atenção, os que governam. Um protesto desses pode ser mais perigoso do que um grupo com armas na mão.
Estou torcendo para que a quadrilha do mensalão vá toda para a cadeia. E aproveito para dar minha solidariedade, de longe, ao presidente da França, Nicolas Sarkozy, que teve a coragem de propor uma castração "química" aos que comprovadamente cometeram crimes de pedofilia. E vamos combinar: castração "química" é um castigo suave, diante de crime tão hediondo.
Mas voltando: é humilhante, para um homem, pedir esmola, mesmo que esse pedido não seja real, apenas um protesto. Não me consta que Lula, que veio do Nordeste de pau-de-arara etc. etc., algum dia tenha pedido esmola, na luta por um salário melhor. Mas quando a polícia -logo a polícia- usa deste recurso para mostrar a quantas anda seu salário, a coisa é grave. Não é por outro motivo que volta e meia lemos nos jornais que policiais fazem parte das quadrilhas de traficantes. A convivência entre eles é estreita, e o dinheiro do tráfico vem fácil.
Nova York, que era uma cidade perigosa, hoje é um exemplo de segurança. E para começar o tolerância zero, uma das primeiras coisas que o prefeito Giuliani fez foi aumentar o salário dos policiais. Antes de puni-los pelo protesto, seria bom que as autoridades fizessem uma profunda reflexão sobre o caso.
Pois uma revolta, que começa com uma simples vaia, não se sabe onde vai acabar.

danuza.leao@uol.com.br

Arquivo do blog