Prefeituras européias interligam ciclistas
ao sistema de transporte público e sem
querer inventam uma moda de verão
Patu Antunes, de Barcelona
Cesar Rangel/AFP |
Mão na roda |
Barcelona, a cidade cosmopolita e agitada da Espanha para onde afluem os jovens e modernos do mundo inteiro, é feita quase toda de subidas, descidas e, na parte mais antiga, ruelas tortuosas. Nesse pouco propício cenário, o sucesso do verão é a bicicleta de três marchas, vermelha e branca, que compõe a frota do Bicing, a mais nova alternativa de transporte público da cidade. O Bicing foi inaugurado pela prefeitura há cinco meses, sem nenhuma campanha publicitária, e previa num primeiro momento ter 15.000 usuários inscritos para as 1.500 bicicletas disponíveis. Em cinco meses de vigência, chegaram a 90.000 as pessoas cadastradas, sendo 20.000 usuários diários, e o sistema não está dando conta da procura. "No começo sempre tinha bicicleta sobrando. Agora não dá para sair de casa esperando encontrar alguma disponível na estação mais próxima", lamenta a advogada Núria Solé, 46 anos, ciclista pioneira. A descoberta da bicicleta como transporte público começou a se difundir por cidades européias, aproveitando o calor do verão no Hemisfério Norte. Em julho, a onda chegou a Paris, com adesão retumbante: em um mês, amealhou mais de 1 milhão de inscrições de pessoas interessadas em pedalar as 11.000 bicicletas disponíveis.
Na Espanha, o serviço foi implantado em mais de vinte cidades. Em Barcelona, os interessados se cadastram via internet, deixando nome, endereço e número de cartão de crédito para pagamento da taxa básica anual de 24 euros (percursos acima de trinta minutos são cobrados à parte, numa tabela progressiva), e recebem um cartão magnético de acesso aos "pontos" de bicicleta, num total de 120, sempre ao lado de saídas do metrô e paradas de ônibus. É só entrar, pegar, usar e devolver em outro ponto. O serviço funciona sem interrupções às sextas e aos sábados e das 5 da manhã à meia-noite nos outros dias. "O Bicing é um complemento, para ser usado com outros meios de transporte. Funciona bem justamente porque é rotativo, ou seja, todas as bicicletas são de todos", explica Ramón Ferreiro, porta-voz da Barcelona Serveis a la Mobilitat, órgão que administra o serviço. Das quatro zonas em que Barcelona se divide, três ficam em áreas de ladeiras e apenas uma está no nível do mar. A casa da professora de música Marina Cuj, 31 anos, em Les Corts, no extremo oeste de Barcelona, é vizinha a uma estação de metrô. Mesmo assim, Marina diz que usa as bicicletas públicas pelo menos três vezes por semana, quando já está no centro e quer chegar à orla ou precisa circular pelas ruelas estreitas da parte antiga. "De bicicleta, chego a evitar até três baldeações de metrô", contabiliza. A prefeitura planeja, até o fim do ano, aumentar o número de bicicletas para 3.000 e o de pontos para 200. "Antes de crescermos mais, vamos ver como as pessoas vão se comportar no inverno", diz Ferreiro – o frio, a poluição e os motoristas de carros, não nessa ordem, são inimigos naturais dos ciclistas.
Na França, onde o ciclismo é esporte nacional, a cidade de Lyon foi a pioneira no serviço público de bicicletas. Em 15 de julho último, Paris inaugurou o Vélib (de vélo, bicicleta, e liberté, liberdade), que já nasceu grande: 750 estações para suas 11.000 bicicletas cinzentas um tanto feiosas, mas que ganham um charme especial quando conduzidas por usuárias com o inconfundível chic français. Até o fim do ano, o sistema deve chegar a 1.450 pontos e 20.600 bicicletas. Como é da tradição francesa, o serviço demanda uma burocracia algo puxada: os usuários precisam preencher um formulário e entregá-lo nos postos autorizados, onde pagam ou a taxa anual (29 euros) ou o custo de um único uso (a primeira meia hora é grátis) e saem com o cartão correspondente. O Vélib funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, e virou a alternativa de transporte dos jovens de madrugada – da 1 em diante é "hora do rush" de bicicletas. Há normas rigorosas, como só circular em avenidas largas, que são invariavelmente descumpridas; as principais reclamações de pedestres e motoristas são que ciclistas não param em sinal vermelho (71%), não utilizam nenhum tipo de iluminação (51%) e andam na contramão (29%).
O serviço de bicicletas públicas não é uma novidade em si, mas a diferença agora é a preocupação em integrá-lo à rede de transportes. Em matéria de facilidade, nenhum sistema recente ganha do implantado em cinco cidades alemãs pela estatal de transporte público Deutsche Bahn. Não há estações fixas, e o ciclista (previamente cadastrado) deixa a bicicleta em qualquer lugar e digita no celular um código que bloqueia a roda traseira. O próximo usuário chega, solicita no celular o código de desbloqueio, digita-o numa tela de plasma instalada na bicicleta, destrava-a e vai embora. Aderir custa 5 euros e cada minuto de uso, 8 centavos, com o limite de 15 euros por 24 horas ou 60 euros por uma semana – os preços "cheios" são salgados justamente para forçar a rotatividade. Até agora, em todas as cidades os casos de vandalismo têm sido mínimos.
PASSEIO MOVIDO A MÚSCULOS
Alcir N. da Silva |
Bike-táxi em ação em Nova York: percursos para turistas, intenção propagandística |
Quem esteve nos últimos meses em algumas das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos provavelmente viu as bicicletas adaptadas com um banco para passageiros na parte de trás e um "motorista" se esfalfando nos pedais. São as bike-táxis, em formato geralmente ovalado, com lugar para dois ou, no máximo, três passageiros, mais um ciclista de pernas musculosas, embora existam modelos mais modernos equipados com um pequeno motor para ser usado quando o usuário apresentar excesso de peso – como esclarece o serviço de informações sobre as bicicletas-táxi de Amsterdã, onde circulam onze delas. A idéia de introduzir em centros urbanos ocidentais um tipo de transporte primitivo, associado a países como China ou Índia, é movida por um princípio contemporâneo: chamar atenção para os anúncios colocados atrás ou em cima do veículo, numa ação de marketing direto, como se diz no jargão. As bicicletas circulam quase sempre nas regiões centrais e históricas das cidades, a serviço principalmente de turistas. Em Londres, onde a bike-táxi tem semelhança mais acentuada com o riquixá asiático, circulam por volta de 400 unidades na região central, ponto mais vantajoso depois que os carros particulares passaram a pagar pedágio. Em Nova York, são cerca de 500 bike-táxis, geralmente propriedade de pequenas empresas que as alugam, por dia, para os ciclistas-motoristas. Lá, uma corrida (lenta, é verdade) de Times Square ao Central Park (2 quilômetros) custa cerca de 25 dólares para dois passageiros. Anunciar por um dia vale 125 dólares e enrolar a bicicleta inteira com um anúncio, durante um mês, 700 dólares. No momento, os donos de frotas estão preocupadíssimos com um projeto de lei que pretende, a partir de setembro, limitar o número de bicicletas-táxi em 325 e o número de veículos a trinta em cada frota, além de exigir seguro de no mínimo 2 milhões de dólares.