Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 23, 2007

Jânio de Freitas - Além da corrupção




Folha de S. Paulo
23/8/2007

A movimentação de milhões no circuito de um projeto político constituiu muito mais do que permutas múltiplas de corrupção

LIDA COM serenidade durante 63 minutos pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza, a síntese das conclusões a que chegou a Procuradoria Geral da República, a partir das suas e das investigações da Polícia Federal no chamado mensalão e no caixa dois, começou por ser deprimente para acabar sendo assustadora.
Durante a longa CPI, os fatos e as acusações explodiram de maneira esparsa, em partes diferentes do escândalo, envoltos em passionalismo político e quase sempre um tanto transfigurados pelo exibicionismo parlamentar ou pelo sensacionalismo jornalístico. Trançados agora pelo procurador-geral em sua ordem lógica, e na engenharia da estrutura em que se processaram, os fatos e as hipóteses já conhecidos revelaram uma configuração nova. Não mencionada, nem mesmo insinuada, por Antonio Fernando de Souza. Mas clara.
Aquela movimentação de milhões privados e públicos no circuito de um projeto político constituiu muito mais do que permutas múltiplas de corrupção. Ali esteve a raiz de um sistema de influência e poder que, se desenvolvida como poderia muito bem ter ocorrido, estaria apta a gerar conseqüências que só as especulações exageradas podem produzir. Audácia, no pior sentido, é que não faltaria.
É possível que o Supremo Tribunal Federal não acate agora, ou não confirme no decorrer dos exames de provas, as atribuições que a Procuradoria Geral faz a cada um dos incluídos no pedido de processo (é só esse pedido que o STF está examinando). As gradações dos respectivos papéis, no quadro de responsabilidades e de propósitos, têm diferenças grandes entre vários dos citados. Mas as ressalvas que o STF faça, supondo-se que as faça ou que fique só em ressalvas, não podem alterar o significado e o perigo da conjura que ficou abrandada sob os nomes de mensalão e caixa dois.
As defesas preliminares, na sessão de ontem, foram o que são: defesas. Até a redação desta coluna, apenas uma ou outra com argumentos que não devem passar sem exame especial de ministros do STF. Não foi a hora, porém, de defesas propriamente ditas, e nesse aspecto qualquer avaliação é descabida. Avaliação de fundo, bem entendido. Porque de forma foi divertido rever em um caso, como se trazida só para fins arqueológicos, a caquética teatralidade que, pretendendo-se oratória, transita entre o patético e a comicidade pastelão. Muito bem paga, sim.
Lula e o governo podem fingir-se alheios ao que se passa no Supremo. Até por não terem a fazer, afora isso, senão atitudes de grandeza ética, ou de sentido institucional, que não lhes são próprias nas situações adversas. Alheios de fato, não podem nem imaginar-se. O que foi descrito na síntese apresentada ao STF tem implicações passadas e reflexos presentes, todos diretos, sobre a natureza e as responsabilidades da Presidência, a par de sua conexão íntima com o comando do PT relacionado com a origem dos fatos e da denúncia da Procuradoria Geral da República.

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