ENTREVISTA
Eros Grau: ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Fausto Macedo
Alvo de uma intensa troca de mensagens por computador que abalaram a mais alta corte do País, o ministro Eros Roberto Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), nega que tenha antecipado seu voto sobre o mensalão, cujo julgamento será retomado hoje. Repudia a insinuação de que teria comentado com a ministra Cármen Lucia que estava decidido, antes mesmo do início do julgamento, a rejeitar a denúncia contra os 40 acusados. “A gente só atribui a outras pessoas o que é capaz de praticar.”
Eros Grau afirma que jamais adiantou sua manifestação. “Para mim isso é uma coisa inconcebível, é uma irresponsabilidade. O juiz não tem direito de antecipar o voto”, argumenta. “Se o fizer, além de trair a si próprio acaba se comprometendo com uma posição que, às vezes, não será a posição final dele. Para um juiz é coisa muito grave.”
Ele repudia a sugestão de que tenha havido uma troca para escolha do substituto do ministro Sepúlveda Pertence, que pediu aposentadoria. O pacto teria sido mencionado pelo ministro Ricardo Lewandowski, em mensagem à ministra, enquanto transcorria a sessão de quarta-feira no STF: “Isso só corrobora que houve uma troca”, escreveu Lewandowski. “Só quem é capaz de trocar, naturalmente pensa nesses termos”, rebate Grau.
Na manhã de sábado, depois de três dias de julgamento, ele acordou às 10 e meia. Deveria viajar para São Paulo, onde seria operado no Hospital Albert Einstein de um aneurisma coronariano - o que o afastaria da conclusão do julgamento. A operação estava programada havia dois meses. Mas o ministro decidiu ficar em Brasília. Seu médico, o angiologista Batista Muraco, autorizou o adiamento para a primeira quinzena de setembro. “Se eu saísse agora iriam dizer que estava escapando à responsabilidade”, argumenta Eros Grau.
Sem perder a fleuma, e o bom humor, o ministro - que mantém em seu gabinete um acervo de 4 mil processos, incluindo recursos extraordinários, ações de inconstitucionalidade e reclamações - falou ao Estado sobre as correspondências que vazaram e o julgamento do mensalão.
O senhor ficou chocado com as mensagens que o citam?
Fiquei perplexo também com a divulgação. É uma coisa muito séria. A divulgação pode ser caracterizada como violação de sigilo de correspondência. O conteúdo é muito desagradável. A gente só atribui a outras pessoas o que é capaz de praticar. Fiquei estupefato. Eu não imaginaria isso de outras pessoas, não seria capaz de imaginar porque eu jamais seria capaz de fazer algumas coisas. Realmente foi surpreendente.
Vai conversar com os ministros?
Sou uma pessoa civilizada e educada. No tribunal a gente é condenado a viver durante muitos anos uns com os outros, mas não tive a oportunidade de conversar com nenhum deles, nem mesmo para cumprimentá-los, salvo a moça que fica do meu lado (a ministra Cármen Lucia).
O senhor estava mesmo decidido a rejeitar a denúncia?
Achei isso muito estranho. Não comentei, é evidente que não. Como é que ia comentar? É o tipo da coisa que não se comenta. Como é que vai aceitar ou rejeitar uma denúncia antes de conhecê-la? Isso é preconceito. O que o juiz não deve ter é preconceito. Eu sou influenciado pela minha formação, cultura e tradição. Chegar e dizer que tem um negócio assim, que sou contra ou a favor, é dizer que estou desqualificado e despreparado para qualquer julgamento. O magistrado não pode agir movido pelo sentimento pessoal. Se for assim, corremos o risco de partirmos para a desordem. Cada um sairá na rua com o seu tacape. Um negócio terrível. O Judiciário está aí exatamente para segurar essas insanidades.
A denúncia de antecipação de voto pode contaminar o processo?
Há um artigo na Loman (Lei Orgânica da Magistratura) que proíbe a divulgação antecipada do voto. De fato, pode contaminar o processo. Amanhã ou depois, se alguém quiser inviabilizar a ação de um determinado juiz poderá dizer que ele antecipou, só para tentar tirá-lo do julgamento. É uma irresponsabilidade enorme, uma coisa primária.
Falam em “salto social”, numa citação ao relator do caso, o ministro Joaquim Barbosa.
O Joaquim não precisa disso, ele é muito maior pelo que conquistou, é muito maior do que pode sonhar a vã filosofia dos menores, do que pode imaginar a vã filosofia dos menos. Quem é já é.
As mensagens revelam “possível domínio de grupo” no STF pelos próximos três anos...
Isso é uma coisa inteiramente dissociada da realidade, uma coisa no plano de mitômano. Não vejo nenhum sentido nisso. Aliás, 3 anos que faltam a quem? Fiquei orgulhoso quando passei a suspeitar que estivessem se referindo a mim. Restam 3 anos para me aposentar, ou melhor, 2 anos e 359 dias (ele completou 67 anos no dia 19). Pode ter sido uma referência a mim. Mas não me preocupa. Estou no Supremo para cumprir meu dever e pouco preocupado com quem vai votar comigo ou não vai votar comigo. Tenho que votar com a minha convicção, com minha consciência. Cada um que cuide da sua vida. Já é muito.
A corte é dividida em grupos?
Ao que me consta não existem grupos no Supremo. Às vezes há naturais alinhamentos por convicção, que a gente apura só quando termina uma votação. Aí a gente é capaz de dizer que 6 votaram assim, 5 votaram de outra forma, mas a composição desse grupo é variável, pela circunstância de cada caso. É visão mínima essa de identificar grupos, uma visão muito pequena. Estou no Supremo há três anos. Eu digo sempre que há juízes que chegam feitos, vejo e aprendo muito com Peluso (o ministro César Peluso), pessoa admirável. Tive que aprender muito.
O mensalão o impressiona?
Não impressiona nem mais nem menos do que um caso de furto simples.É preciso ter uma visão isenta de qualquer paixão. Eu tenho que examinar isso (o mensalão) sem emocionalidade e com a mesma serenidade que examino todo e qualquer processo, especialmente de ordem criminal, que passa na minha mão. Essa coisa de querer aparecer não é comigo. Fujo das luzes para ficar mais iluminado.
O STF está preparado para conduzir processo com 40 acusados?
Está mostrando isso. A presidente (ministra Ellen Gracie) conduz a ação com serenidade. Em nenhum momento comprometeu-se a liberdade de expressão da defesa. E o Joaquim (Barbosa) está indo muito bem. O julgamento é uma coisa muito bonita. Ali está a nata, o que há de melhor na advocacia. Tivemos uma exposição do procurador-geral (Antonio Fernando de Souza) muito bem feita e, sobretudo, o voto do relator, uma peça técnica que realmente permitiu a todos votarem com convicção. Julgamento sem paixão é uma garantia para a sociedade.
O julgamento é importante para a imagem do Judiciário?
Será um marco, não para o Supremo, mas para a sociedade. O Supremo nunca deu razão a ser menos considerado. A sociedade é que talvez não tenha sido capaz de compreender a importância do Supremo. Agora vai compreender melhor. Como instituição, o Supremo permanece íntegro. O Supremo é maior que seus ministros. Socialmente o julgamento do mensalão tem repercussão muito grande. Vai ficar na história, mas para mim não é mais importante que qualquer outro caso.
Como foi a decisão contra 19 acusados do mensalão?
Não divergi muito. No caso do Gushiken (Luiz Gushiken, ex-ministro de Lula) acho que há uma bela ilação. O cara lá é inimigo do Gushiken. Ora, eu sou seu inimigo. Aí eu o denuncio, que você mandou fazer isso e aquilo. É o único dado (contra Gushiken). Então, me parece uma ilação. Na primeira parte, com relação ao Dirceu e ao Genoino, todo mundo votou, foi unânime (exclusão de Dirceu e Genoino da acusação por peculato). Não houve divergência. Esse negócio de quadrilha também é muito difícil de ser recebida (a denúncia). Não está bem caracterizado.
Processo assim o assusta?
É tão importante quanto qualquer outro. Eu não posso, e não tenho o direito, de atribuir maior ou menor importância a esse ou àquele processo. Senão, não sou capaz de exercer meu ofício com a serenidade necessária. Sou um juiz, isso é uma coisa fabulosa. Vou ficar bom, mais prudente ainda e sereno, na hora em que estiver quase saindo (do tribunal). Cada dia a gente vai se aperfeiçoando mais, a gente não pode se encantar pela coisa. Tem que cumprir. Meu ofício não é mais importante que o do jardineiro ou de quem cuida da saúde das pessoas.
O senhor conhece algum dos acusados do mensalão?
Lógico. Sei quem é Genoino, quem é Zé Dirceu. Encontrei o Dirceu 3 ou 4 vezes na minha vida, mas não tenho amizade. O Zé Dirceu era líder estudantil, mas nessa época eu já tinha saído da faculdade. Ele não é do meu tempo. Nunca tivemos relação pessoal. Amizade é ir na casa do sujeito. Nunca fui (na casa de José Dirceu).
Como conheceu o presidente?
Vi o presidente Lula pela primeira vez na faculdade do Largo São Francisco, fim dos anos 70. Havia um conselho apartidário que ele ouvia de vez em quando. A gente se reunia na campanha política dele, mas nunca fui do PT. Eu o conheci nessa ocasião, nunca tivemos relação pessoal. Foi sempre em função da minha ligação com o grupo jurídico que participava daquele conselho. Depois só tive contato com ele no dia em que me convidou para o STF. O ministro Márcio (Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça) me ligou e disse que Lula queria falar comigo. Liguei e ele me fez o convite daquele jeito muito peculiar seu. “Eros, você já morou em Brasília?”, “Eu não”, “Pois então agora vai morar.”
O presidente Lula ligou para falar do mensalão?
Imagina! Eu respeito o presidente e ele me respeita. Imagina se ia ligar. Admito até que o presidente possa me ligar um dia para falar do meu romance (“Triângulo no Ponto”, editado pela Nova Fronteira). Mas não ligou e nem faria isso para falar de um assunto desses (o processo). Isso não se faz.
As provas do caso do mensalão são fortes?
Por ora são só indícios. Isso tudo está muito bem explicitado no relatório e no voto do Joaquim. O relatório e o voto são um guia para todo o colegiado. Tenho que me basear neles.
Consciência tranqüila?
Absolutamente tranqüila. Levantei (no sábado) às 10 e meia. Se não estivesse em paz ia dormir tanto assim? A tranqüilidade é absoluta. Vou passar o dia avançando no Dom Pedro II, obra do José Murilo de Carvalho, uma beleza. Depois vou dar uma desligada. Domingo eu retomo o processo.
Até onde vai sua independência?
Ah, ela vai até... digamos que ela seguirá assim: eu já não sou nenhum menino, nenhum canto de sereia me fascina mais. Estou preso pela Constituição. Minha independência e a de todos os juízes é exercida nos limites da Constituição. Quem diz o que a Constituição é somos nós, ministros do Supremo. Essa é a grande responsabilidade dos ministros. A independência é do tamanho da responsabilidade.
CONVERSAS NO STF: “A divulgação pode ser caracterizada como violação de sigilo de correspondência”
REAÇÃO AOS COLEGAS: “A gente só atribui a outras pessoas o que é capaz de praticar”
RESPOSTA À ACUSAÇÃO: “Como é que vai aceitar ou rejeitar uma denúncia antes de conhecê-la?”
Quem é:
Eros Roberto Grau
Aos 67 anos, gaúcho de Santa Maria, chegou ao STF em 30 de junho de 2004, nomeado pelo presidente Lula para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Maurício Corrêa.
É casado com Tania Marina Stolle Jalowski Grau, tem dois filhos e 3 netos. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Exerceu a advocacia, em São Paulo, de 1963 até a sua nomeação para o STF.
FRASES
“Há um artigo na Lei Orgânica da Magistratura que proíbe a divulgação antecipada do voto. Pode contaminar o processo”
“O Supremo nunca deu razão a ser menos considerado. A sociedade é que talvez não tenha sido capaz de compreender a importância do Supremo. Agora vai compreender melhor”
“Socialmente o julgamento do mensalão tem repercussão muito grande. Vai ficar na história, mas para mim não é mais importante que qualquer outro caso”
“Eu já não sou nenhum menino, nenhum canto de sereia me fascina mais. Estou preso
pela Constituição. Minha independência e a de todos os juízes é exercida nos limites da Constituição. Quem diz o que a Constituição é somos nós, ministros do Supremo. Essa é a grande responsabilidade dos ministros. A independência é do tamanho da responsabilidade”