Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 27, 2007

Antonio Sepulveda,Dialeto único

JB

A partir de janeiro de 2008, Brasil, Portugal e demais nações lusófonas terão a ortografia unificada. Querem empalhar um idioma vivo, dinâmico e em constante mutação. Pretendem acabar de vez com “a última flor do Lácio” e pôr em seu lugar um “dialeto único”; uma bombástica manifestação do melancólico pendor ibero-latino pelo centralismo burro, quando o mundo desenvolvido está a demonstrar que não há progresso sem descentralização. Vale a tese rodriguiana da revolução dos idiotas que se descobriram em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. Segundo Nelson, “o grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”.

Tal projeto só é possível no papel, na teoria; porque, na prática, duvidamos que a empreitada tenha êxito sequer dentro do Brasil, onde o fraseado, a fonética e a inflexão apresentam distinções de uma região para outra com visos de línguas diferentes. Um estrangeiro, neófito no idioma de Machado, certamente haveria de pensar que o piauiense e o gaúcho empregam vernáculos conflitantes.

O argumento usado em apoio a essa sandice é grotesco, raiando pelo cretinismo. Alegam que as diferentes ortografias atrapalham a divulgação e a prática do idioma em eventos internacionais. Se isto é verdade, por que então o inglês, o francês e o espanhol não padecem dessa inconveniência? O inglês difere muito de um país anglófono para outro, até mesmo na estrutura, e ninguém parece se importar com isso, porque, naturalmente, não existe problema algum. Os dicionários registram todas as grafias e pronúncias usadas, cada um fala ou escreve como quer, e todos se entendem. Os Estados Unidos, aquela potência, nem possuem um idioma oficial. Vão reformar o quê?

Afirmam que a medida facilitará a definição de critérios para exames e certificados destinados a estrangeiros. Tamanha asneira nem merece comentário, porquanto tal dificuldade não ocorre em outros países. A Bélgica, por exemplo, com duas línguas, o flamengo e o francês, ainda não reclamou de inadequações desse tipo. E o que dizer da Suíça com seus cantões de falas diversas e com aquela organização impecável?

As alterações pretendidas são, mais uma vez, inócuas e irrelevantes. Muita gente ainda escreve com absoluta correção, sustentada no vocabulário de 1943; não movem uma palha, fora de livros e periódicos, para adotar a reforma ortográfica de 1971. Enfim, os imortais da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa, em vez de produzir livros bem escritos, promover uma boa educação e, com eficácia, estimular o sagrado gosto pela leitura, decidiram realizar essa parvoíce normativa; a terceira no Brasil e a quarta em Portugal em menos de um século. Seria mais coerente, mais simples, preservar as grafias atuais, que mal não fazem a ninguém, e possibilitar a aprendizagem das formas existentes pelos usuários do português; elas não diferem tanto assim.

É realmente constrangedor verificar que nossa língua é a única que vem sendo regulamentada a torto e a direito através dos tempos. A única mudança que realmente faz algum sentido é a reinclusão das letras "k", "w" e "y", o que já deveria ter sido feito há muito tempo, embora sem qualquer necessidade de unificação ou consulta à Metrópole. Nada mais se vislumbra de útil ou relevante no embasamento comum do português falado no Brasil e em Portugal.

A reforma ortográfica é inoportuna, rebarbativa e mais perniciosa do que benéfica. A nova ortografia não cumpre o efeito desejado da padronização da língua; nenhuma assembléia de gramaticões jamais conseguirá tal façanha em volta de uma mesa, a portas fechadas, tendo como fonte de consulta somente idéias próprias. É intolerável. Todos somos afetados. Uma reforma ortográfica só teria legitimidade por referendo popular. Especialmente quem escreve, quem tem o idioma como ferramenta principal, deveria usufruir o direito singelo de opinar. Será que a maioria da população concorda com essa imensa lambança?

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